PAYADA

Jayme Caetano Braun

 

Raízes, tronco, ramagem...

Ramagem, tronco, raiz...

Abriu-se uma cicatriz

De onde brotei na paisagem...

O tempo me fez mensagem

Que os ventos pampas dirigem,

Dos anseios que me afligem

De transplantar horizontes,

Buscando o rumor das fontes

Prá beber água na origem.

 

Sobre o lombo da distância,

De paragem em paragem,

Fui repontando a mensagem

De bárbara ressonância,

Fazendo pátria na infância

Porque precisei fazê-la,

E a liberdade, sinuela,

Sempre foi a estrela guia

Que o meu olhar perseguia

Como quem busca uma estrela.

 

Pensei chegar alcançá-la,

No estágio de índio rude,

Mas nunca na plenitude,

Porque essa deusa baguala

Que aos andejos embuçala,

Nunca ninguém alcançou,

Bisneto nem bisavô,

Nos entreveros mais brutos,

Labareda de minutos

Que o vento sempre apagou.

 

Primeiro era o campo aberto,

Descampado, sem divisas...

Com fronteiras imprecisas,

Mundo sem longe nem perto..

Eu era o índio liberto,

Barbaresco e peleador

Rei de mim mesmo, senhor

Da natureza selvagem,

A religião da coragem

E o sol de bronze na cor

 

Um dia veio o jesuíta

A este rincão do planeta

Vestindo a sotaina preta

Na catequese bendita

Foi mais do que uma visita

A minha pampa morena

Bombeei por trás da melena,

Olhos nos olhos o irmão,

E gravei no coração

A santa cruz de Lorena!

 

Mais tarde veio mais gente

As minhas terras campeiras...

A falange das bandeiras,

Impiedosa e inclemente...

Me levantei de repente

E as tribos se levantaram...

As várzeas se ensangüentaram,

Elas que eram verdejantes,

Mas eu venci os bandeirantes,

Que nunca mais retornaram!

 

E depois vieram os lusos,

Os negros, os castelhanos,

E nos pagos campechanos,

Novas normas, novos usos...

As violências e os abusos

Da Ibéria, Castela e Lácio

E rasgaram o prefácio

E mataram as plegárias

E as ânsias comunitárias

Dos irmãos de Santo Inácio.

 

Não pude deter a vaga de

Andonegui e Barbacena...

Se a História não os condena,

A mancha nunca se apaga!

A opressão jamais indaga

Na sua ambição mesquinha,

Era meu tudo o que tinha,

Era meu tudo o que havia,

E eu morri porque dizia

Que aquela terra era minha!

 

Mas o eterno não morre,

Porque permaneço vivo...

No lampejo primitivo

De cada fato que ocorre

O meu sangue rubro corre

Na velha raça gaudéria,

Corcoveando em cada artéria

Pela miscigenação

Na bárbara transfusão

Com os andarengos da Ibéria...

 

Fui sempre aquilo que sou,

Sou sempre aquilo que fui,

Porque a vida não dilui

O que a mãe terra gerou...

Sou o brasedo que ficou

E aceso permaneceu,

O gaúcho que cresceu

Junto aos fortins de combate

E já estava tomando mate

Quando a pátria amanheceu!!!

 

E assim, crescendo ao relento,

Criado longe do pai,

Junto ao mar doce, o Uruguai,

O rio do meu nascimento,

Soldado sem regimento

No quartel da imensidade...

Um dia me meu vontade,

Deixei crescer toda a crina

E me amasiei com uma china

Que chamei de Liberdade!

 

Por mais de trezentos anos

Fui pastor e sentinela

Na linha verde e amarela,

Peleando com castelhanos,

Gravando com "los hermanos"

A epopéia do fronteiro!

Poeta, cantor e guerreiro

Da América que nascia

Na bendita teimosia

De continuar brasileiro!!!!

 

Com Bento em mil entreveros,

Em barbarescos ensaios...

Depois contra os paraguaios,

Em Humaitá e Toneleros

Andei em Monte Caseros,

Paisandu, Peribebuí

Passo da Pátria, Avaí...

Longe do meu território...

E fui ordenança de Osório

Nos campos de Tuiuti

 

Depois, em Noventa e três,

Na gesta federalista,

A pátria a perder de vista,

Andei peleando outra vez...

Sem soldo no fim do mês

Porque pelear era lindo,

As espadas retinindo,

Chapéu batido na copa,

Como carneador de tropa

Nas forças de Gomercindo

 

Mais adiante, em Vinte e três,

E Vinte e quatro de novo...

É o destino do meu povo

Que assim altivo se fez,

A marca da intrepidez

Deste velho território!

Ante o bárbaro ostensório

Dos lenços rubros e brancos

Acompanhei os arrancos

Do velho Flores, e Honório...

 

Chimangos e maragatos,

Farrapos, federalistas

Caminhadas e conquistas

Que a história guarda em seus fatos

Os tauras intemeratos

De adaga e pistola à cinta...

Não há ninguém que desminta

Nossa estirpe de raiz

Que se adonou da matriz

Nas arrancadas de Trinta

 

Depois vesti a verde-oliva,

Como sempre voluntário,

No corpo expedicionário,

Formando uma comitiva

Da nossa indiada nativa

Prá responder um libelo

E o pendão verde-amarelo,

Do outro lado do mundo,

Cravei, bem firme e bem fundo,

No velho Monte Castelo!

 

Hoje, o tempo demudado,

Meu coração continua

O mesmo tigre charrua

Das andanças do passado.

Sempre de pingo encilhado,

Bombeando pampa e coxilha...

A pátria é minha família!

Não há Brasil sem Rio Grande

E nem tirano que mande

Na alma de um Farroupilha!