ODE ÀS MISSÕES E AO ÍNDIO MISSIONEIRO
Jayme C. Braun
Pedaço eterno da história
Desarvorado ao relento
Que à sombra do esquecimento
Solitário se enfumaça
Daí saiu a
argamassa
Que- de tijolo em tijolo-
Uniu com barro crioulo
Os alicerces da raça.
Vai mais de trezentos anos
Se perdendo nas neblinas
Que as legendárias batinas
Aportaram a este chão
Alterando desde então,
As velhas feições da terra
E abafando hinos de guerra
Dos sinos da redução.
Nem se fundara o Rio Grande,
Nem o lendário Viamão.
O pago era céu e chão
Cochilha, várzea e perau.
Já o Uruguai dera vau
Numa apoteose bravia,
E o gaúcho antenacia
No velho São Nicolau.
Desde aí-
essa gleba imensa-
Chamuscada a casco e raio
Foi sempre o tubo de ensaio
Da Raça que se moldava
E na mente do TUXAVA
Primitiva, intemerata,
A idéia vaga de pátria
Crescia e se delineava.
Muito distante e alheio
Às ambições de Castela,
Amava a terra, e por ela,
Despreocupado morria
E no mas,
só conhecia,
Além de algum sortilégio,
O incomparável colégio
Da campeira geografia.
Recebeu do Jesuíta,
Quase a par do catecismo,
Noções de militarismo
E até lampejos de arte,
Mas, mesmo erguendo um
baluarte,
No seio desta campanha
Pouco lhe importava a Espanha
Tinha o chão por estandarte.
Tinha horror ao Bandeirante
Que vinha de além Laguna,
Bater a pampa reiúna,
Na mal
sina da preagem,
E tão xucra era a coragem
Que desde o berço trazia
Que o missioneiro morria
Pra não prestar vassalagem.
Veio então, o português,
Ao continente D’EL REY
Arvorado em Juiz e Lei,
Trazendo um mar de soldados,
Mercenários apegados,
Menos ao ideal, que o soldo,
Roubando e queimando toldo
Na execução de Tratados.
E qual seria,
patrício,
A reação,
Quando até, da própria fera,
Se
reconhece o covil?
Correu o sangue viril,
Neste imenso território
Que foi o laboratório
Do gaúcho do Brasil.
E foi o filho da terra
De melenas desgrelhadas,
O dono destas canhadas
Reduto onde se criara,
Que, de lança de taquara,
Escreveu sobre a planura
Com sangue, a velha
escritura,
Do Rio Grande Tapejara.
E fica então a pergunta:
Qual dos três seria intruso?
O Índio, o Espanhol, o Luso?
A história e parcial, se cala,
Mas quando o coraçãofala,
No tribunal da consciência,
Preste ao índio, reverência,
Pois é injustiça, negá-la.
Enalteçamos os feitos
E as conquistas lusitanas,
Trancemos nobres hosanas,
Quarteando o velho Camões,
Mas guardemos as Missões
No próprio seio da história
Porque foram berço e glória,
Das mais caras tradições.
Parece até uma mentira
Que hoje alguns pesquisadores
Os eternos grã-senhores,
Dos julgamentos parciais,
Tentem riscar dos Anais
Da nossa história guerreira
Toda o Região Missioneira,
E com ela, os seus Naturais.
Porque será que se calam
Com referência ao Nativo
Que foi o fator ativo
Na conquista Missioneira?
Porque toda essa ciumeira
Que se nota por aí
Se até uma bugra daqui
Casou com Pinto Bandeira?
Não se compreende a esta
altura
Tão ferrenha intransigência
Ao filho desta Querência
De legendária Memória.
Pra que negar-lhe a história
Lugar de predominância,
Se até o peão de estância
Riscou daqui a trajetória?
Pois quando Borges do Canto,
Com Pedroso e outros mais,
Escramuçava os baguais
Na epopéia triunfante,
Era o bugre ignorante
Das reduções Missioneiras
Que encabeçava as fileiras
Levando tudo por diante.
Guardemos ciosos os feitos
De um José Borges do Canto,
Conquistando este chão Santo
Com denodo extraordinário,
Mas ninguém mande ao
contrário,
Que o Ìndio
seja exaltado
Pois foi o maior soldado
Deste feito legendário.
É ele que, em Trinta e Cinco
Luta, de um e de outro lado,
É ele que, batizado,
Nas
barranca do Uruguai,
Deixa a querência e se vai,
Com bravura e sacrifício,
Hastear o Pendão, Patrício,
Nos cochos do Paraguai.
Monumentos a estrangeiros
Hoje se vê em qualquer praça,
Mas ao precursor da Raça
Não há a mínima lembrança,
Nem ao Pingo, nem a Lança,
De taquara chamuscada,
Que foi a primeira espada
Do meu Rio Grande, criança.
Um dia, índio missioneiro,
Rio grandense,
pura flor,
Nós te haveremos de pôr,
No tronoa
quetens direito,
Ombro a ombro, peito a peito,
Com Bandeira e Canabarro,
Como tu, do mesmo barro,
Do qual o guasca foi feito.
Já não se escuta teus gritos
Ao longo das Sesmarias,
Nem tampouco a algaravia
Do tenebroso Pagé,
Mas tu ficaste de pé
Tigre imortal das Campinas,
Na evocação de umas Ruínas
E no culto de Sepé.
E podes dormir tranqüilo
Palanque inicial da história,
Tu viverás na memória
Tão grande como teu sono
E qual Monarca, no trono,
Dos mais altos monumentos
Gritarás aos quatro ventos
“Esta querência tem dono”.