ODE À FRONTEIRA OESTE

Jayme C. Braun

 

Lendária Fronteira Oeste

Falquejada a ferro e bala

Que em cada marco nos fala

De fogo e cargas de lança,

Tu me trazes à lembrança

Do velho pago abençoado

Que o gaúcho antepassado

Nos transmitiu como lembrança

 

Por isso, aqui deste cerro,

Lança encravada no chão,

Contemplando a estranha visão

Que a luz do poente adelgaça

Como uma cinta que abraça

Circundando lado a lado

O solo do meu Estado

Berço lendário da raça.

 

Vejo o chão desta fronteira,

Remendado ao léu da sorte,

E olhando de Sul a Norte

O velho Pago bravio,

Donde o Passado fugiu

Para uma ausência tão grande

E vendo nele o Rio Grande,

Sinto um bárbaro arrepio.

 

E no palco das coxilhas

Revejo passar, então,

O gaúcho em formação,

Selvagem - rude e valente,

Sempre atacando de frente

No combate desigual

Trançando em sangue imortal

O poema da casa grande.

 

Sem conhecer mais divisas

Que horizonte é campo nu,

Restinga e sombra de umbu,

O rancho, a tenda campeira,

Junto à china companheira,

E acavalo sem marca,

O gaúcho era um monarca

Não conhecia fronteira.

 

 

E sem mais preocupações

Nesse imenso paraíso,

Peleava, quando preciso,

Porque assim se divertia

E nessa vida bravia,

Destemido e resoluto,

Era o dono absoluto

Do que no pampa existia.

 

Rude filho do destino,

Dos grandes centros, egresso,

No mais íntimo recesso,

Eivado de selvagismo,

Ser único catecismo,

Honra, culto e devoção,

Era o amor ao rincão

Que amava com fanatismo.

 

Bastou, por isso, o fantasma,

Dos estandartes de Espanha

 

Anunciarem na campanha

Um exército invasor,

Para, ao primeiro rumor,

Estar de lança na mão

Livrando a profanação

Da terra em que era senhor.

 

Nunca ninguém se atrevera

A tamanho sacrilégio,

No chão, que era privilégio,

Do charrua semi-nu

E, onde o nascente xirú

Já dormia no sarilho

Desde o primeiro caudilho

Que foi Sepé Tiaraju.

 

Esquecido nessa hora

De lutas pessoais e intrigas,

Vendo tropas inimigas

Tomar o pago de assalto,

Já desde o primeiro salto

Se uniram na resistência

Porque o apego á querência,

Sempre falava mais alto.


 

 


Das barrancas do Uruguai,

Aos campos de Jaguarão,

Encharcou-se logo o chão,

De sangue dos estrangeiros,

Tombaram muitos guerreiros

Mas surgiram as divisas,

Mal traçadas, imprecisas,

Do fogo dos entreveiros.

 

E ao longo daquelas linhas

Entre cruzes falquejadas

Foram ficando as ossadas

Do estrangeiro adventício

E o pago viu, em suplício,

Por dois séculos de horrores,

O sangue dos invasores

Manchando o solo patrício.

 

Enquanto a morte voejava

Nos campos ensangüentados

E assinavam-se Tratados,

De duração transitória,

Esta linha divisória,

Riscada a lança e a fogo,

Foi sempre o trunfo, no jogo,

Entre a Conquista e a História.

 

Pois a ganância de posse

Desenfreada e insana,

Velha ambição Castelhana,

Por estes campos lendários,

Fez que os deuses sanguinários,

Entre anarquia e desmande,

Vissem cair no Rio Grande

Fidalgos e mercenários.

 

Assim, o sangue nativo,

Correu junto, sol a sol,

Ao sangue Luso-Espanhol,

Vindo de plagas alheias.

Era o pampa um mar de veias,

E dessa mescla de morte,

O guasca surgiu mais forte

Do verde chão das peleias.

 

Por isso, que ao evocar-te,

Lendária Fronteira Oeste,

Aqui do teu seio agreste

Conclamo esta geração

Em prol da libertação,

Econômica e social,

Que dará ao Homem Rural

As rédeas do seu rincão.

 

E a indiada desta Fronteira

Há de atender o apelo

E apontar logo um sinuelo

Todo o pampa, pura flor,

Pois essa tropa primor,

Nos corredores da glória,

Leva na culatra a História

E o gaúcho de fiador.

 

E bem como seus maiores

Na defesa deste ideal,

Estará o homem rural

Mudando o curso da história,

E com elas na memória,

Que nem o tempo revoga,

Estará na mesma soga

A Liberdade e a Glória.

 

E depois, haverá sempre,

Como nos tempos de antanho,

O Pingo, a gaita, o rebanho,

A prenda, o guasca cantor,

A liberdade, o amor,

Nesta querência de luxo,

Onde só manda o gaúcho,

Depois de Nosso Senhor.