MISSIONEIROS

Jayme Caetano Braun

 

Levanto meu chimarrão

à irmandade galponeira,

frente à brasa fogueira

da velha pira votiva

sob a quincha primitiva

da querência missioneira!

 

Aqui a legenda nasceu,

quando a América nascia,

na bárbara eucaristia

que o pai do céu concebeu;

aqui a terra recebeu,

o dom maior da existência,

quando a Santa providência

que rege o pampa mistério,

mandou que o índio gaudério

fizesse pátria e querência!

 

O campo, o céu, a lonjura,

e o rio de lombo vermelho,

passeando no mesmo espelho

que o mundo aberto emoldura,

e o tempo, a eterna procura,

do rumo desconhecido,

buscando o elo perdido,

antes da primeira idade,

na rude simplicidade

do guasca recém nascido!

 

Nem Luso, nem castelhano,

nem bugre, negro, nem branco,

mas o centauro no flanco

do cenário campechano;

sem lei, sem rumo, orelhano,

e, ao mesmo tempo, monarca,

olhar de gavião que abarca,

tudo que vive e caminha,

a lança não tem bainha,

o coração não tem marca...

 

Bendito gaúcho touro,

que vieste dessa vertente,

da brotação da semente,

mistura de pasto e couro,

na estampa de gavião mouro,

a própria fisionomia

da bárbara geografia;

e, no ritmo da andança,

marcas longínquas da herança

do Algarve e da Andaluzia!

 

Boieira e Cruz da Lorena,

pra espantar os esconjuros,

noites nos olhos escuros,

bronze na pele morena,

a flexilha da melena

e o campo como cenário;

ele não é caucatário,

de regimes ou sistemas

e segue seus próprios temas,

de andarengo libertário!

 

E dele o Rio Grande veio,

como vieram os Platinos,

malacrias e teatinos,

forjados no pastoreio,

os monarcas do arreio

escrevendo nas patriadas,

de pupilas dilatadas

pelos espaços profundos,

nessa fronteira de mundos,

que emprumaram a trompadas!

 

Hoje as pátrias definidas,

com idéias e bandeiras,

segem as almas campeiras

praticando as mesmas lidas,

somente agora reunidas,

na paz dos livres que soma,

pátria gaúcha, com diplomas,

da mesma universidade,

paz, justiça e liberdade

que ninguém rouba nem toma!


 

È o Império missioneiro,

quatro pátrias e um céu só,


mesma terra e mesmo pó,

e a mesma luz do cruzeiro,

paraguaio, brasileiro,

argentino e oriental,

a mesma cruz ancestral

trazida pelo jesuíta,

na catequese bendita,

da gleba meridional!

 

E o fogão continentino,

aquele que nós rodeamos

e, peleando conservamos,

pra iluminar nosso destino,

osco do lombo brasino,

as quatro pátrias congrega;

a origem jamais renega,

pois brotou da mesma fonte,

na vertente de horizonte

que o missioneiro carrega!

 

Irmãos de quatro países,

no mesmo grupo alinhados,

da mesma forma explorados

na mais terrível das crises,

riscados de cicatrizes,

pelos eternos tiranos,

os deuses americanos

que nos moldaram iguais,

nos querem, frente aos demais,

abraçados como “Hemanos”!