MEU VERSO

Jayme Caetano Braun

 

Quando te vejo, meu verso,

Junto à multidão que passa,

Entre os fidalgos de raça

Da poesia aristocrata,

Meu coração se desata

E se larga campo a fora,

Paleteado pela espora

Da emoção que me arrebata.

 

Pois tu nasceste num rancho

Barreado de chão batido...

E assim desapercebido

Foste piá, e homem depois,

Sempre havendo entre nós dois,

Alma de um no corpo de outro,

Amor à china e ao potro,

E ao berro amigo dos bois!

 

Eu fui tudo que tu foste

Antes de ser o que sou.

Pois a vida nos ligou

No velho ajoujo da sorte,

Esse tento rijo e forte,

Sovado a custa dos anos

Que acolhera os desenganos

Do nascimento até a morte.

 

Porém, meu verso crioulo

Contrariando a velha lei,

Eu de ti me seperei;

Já não sou mais como tu,

Que te conservaste cru,

Pois já estou domesticado,

Povoeiro, civilizado,

E, tu, ficaste xiru.

 

Por isso é que tenho inveja

De ti, meu verso bagual,

Que soubeste ser igual

Depois que os anos passaram,

Pois jamais te embuçalaram

Cerceando-te a liberdade,

Nem conheceste a saudade

Dos que a querência deixaram.

 

E agora enquanto me paro

Numa fila de cinema

Tu escutas a seriema

Junto a barranca da sanga...

E enquanto comes pitanga

Nalgum capão solitário

Eu vou chinchando o horário

Mais preso que boi na canga!

 

Dá de rédeas no teu pingo,

Na direção da querência,

Se alguém notar tua ausência

Não faz mal, isso tem cura.

Vai rever a saracur

E o quero-quero alarmento

Banhando o corpo emplumado

Nas restingas de água pura.

 

E um dia, quando souberes

Que este gaúcho morreu,

Nalgum livro serás eu

E nesse novo viver

Eu somente quero ser

A mais apagada imagem

Deste Rio Grande selvagem

Que até morto hei de querer!