IDENTIDADE

Jayme Caetano Braun

 

O destino acolherou-se,

ao velho rio Uruguai,

na ânsia de todo o pai

que quer ter um filho homem,

pra que saiba honrar o nome

e amar a terra - sem medo,

e - sendo assim - desde cedo,

o guri venta rasgada,

se faz amigo da indiada

e amante do chinaredo!

 

Me fiz homem - como tantos,

tropeando e domando potro,

trocando um pago por outro,

conforme a bênção dos santos,

rico de amigos e cantos

que na vida entropilhei,

foi assim que me criei,

por esses campos de Deus,

que Sepé dizia seus,

no continente del rey!

 

Nas lidas - nos ajutórios,

nos puxirões e carneadas,

apartes e gineteadas,

até mesmo nos velórios;

nas marcações e casórios,

com guitarra e com cordeona,

sem nunca levar carona,

a sorte viveu comigo:

- em cada amigo - um amigo,

em cada rancho uma dona!

 

Por isso canto - moçada!

por isso canto - senhores!

é o canto dos payadores,

com gosto de madrugada

que não é cousa passada,

mas esperanças futura;

as ânsias da criatura

que anda a buscar por aí,

quando tem junto de si,

aquilo que mais procura!

 

E há os que não querem que eu cante,

e há os que não gostam que eu fale,

e há os que querem que eu me cale,

ante o arbítrio constante;

temem que eu force a minguante

transformar-se em lua cheia,

ou faça que o povo creia

que existe meia verdade

e que a pura liberdade

merece quem peleia!

 

Sempre que canta um liberto,

causa terror aos tiranos,

invejosos e profanos

que odeiam o céu aberto,

pelo receio - decerto,

de algo muito perigoso;

o "mate do João Cardoso",

um dia - pode chegar;

temem que eu possa encontrar

o rastro do "boi barroso".

 

Quem sabe o meu verso arranca

a foice da lua nova,

ou chega a encontrar a cova

da "bruxa da salamanca",

quem sabe - a "tropilha branca"

do negro do pastoreio,

ou - talvez - nalgum rodeio,

possa encontrar - de repente,

aquela estrela cadente

que se escapou com arreio?

 

Imaginem se o avoengo

- pode ser que aconteça.

laça a "mula sem cabeça",

ou maneia o "diabo rengo",

quem sabe até - o andarengo,

chegando em cima da linha,

escutando a ladainha,

do velho Uruguai andejo,

consegue roubar um beijo

dos lábios da "prenda minha"!

 

Meia dúzia de impostores,

que se arvoram folcloristas

e andam - mesmo que angolistas,

ciscando nos corredores,

com sigla de professores

que adotaram por decreto,

me chama de analfabeto,

- aceito a definição,

mas tenho o usucapião

que me concede o dialeto!

 

Tenho pena dos coitados

que pensam que - mais estudo,

podem dar direito a tudo,

como reis iluminados,

esquecendo os vertebrados

que leram noutra cartilha;

pouco saber não humilha,

precisam ler "José Hernandes",

- "a noite tem sombras grandes

mas tem a estrela que brilha"!

 

E - lembrarem que - o que julga,

um dia será julgado,

e - quem sabe - condenado,

a viver catando pulga;

mas lei que a vida promulga

essa gente não revoga,

não tenho anel e nem toga,

mas tenho - nos meus rodeios,

uma trilha de anseios

que não se amansa de soga!

 

E assim - falo à mocidade,

no estilo de índio rude,

virtude não há virtude,

maior que a fraternidade

e a compreensão da verdade,

do que tem e do sem teto;

ante o supremo arquiteto,

hay que sacar o chapéu,

porque - na escola do céu,

não existe analfabeto!

 

Cantaria a vida inteira,

um mês - um século e meio,

no mavioso bordoneio

desta milonga campeira;

mas - mil gracias - companheira,

obrigado - companheiro,

rexa comigo - parceiro,

a prece dos ancestrais

e não esquece jamais

que aqui cantou um missioneiro!