FOGÃO DE TROPEIRO

Jayme Caetano Braun

 

Candieiro chucro incendiado

Sobre os altares do campo

Teu vulto de pirilampo

Que na velha noite pisca

Evoca em cada faísca

Entre os cavacos de aroeira

A mirada caborteira

De alguma chinoca arisca!

 

Tens o brilho do luzeiro

Quando um gaúcho te acende

E do teu ser se desprende

Por entre os rolos de fumo

O velho espectro sem rumo

Deste pago soberano

Que o destino desumano

Reponta pelo deserto

Para ser guardião, por certo,

De algum segredo pampeano!

 

Meu velho fogão gaúcho

Das tropereadas de moço

Agora que já não ouço

Do teu brasedo o estalo

Nem escuto meu cavalo

Nervoso mascando o freio

Eu sinto o duro receio

De ver meu pago nas trevas

Se alguma sina maleva

Te aparta do nosso meio!

 

Já não durmo nos arreios

Depois de fazer meu quarto,

Não tropeio e nem aparto

Nas invernadas de boi,

Aquele tempo se foi,

Deixando um pegão rasteiro

E o meu fogão de tropeiro

Que adoro desde criança,

Hoje é a mais cara lembrança

Do meu passado campeiro!

 

Já quase ninguém te avista

Meu legendário fogão,

Hoje o tropeiro é o vagão

Sobre uma estrada de ferro,

E mui raro se ouve o berro

Da tropa no bebedor,

Não há culatra e fiador,

Nem ponteiro que responda,

Chô-égua, já nem se ronda

No canto do corredor!

 

Pouco mais és fogão velho

No altar da natureza

Do que a vela grande acesa

Clareando as glórias da raça,

E o teu rasto de fumaça

Espalhado pelo vento

É o gaúcho sentimento

Que entreverado se expande

Noutros fogões do Rio Grande

Que brilham no firmamento!

 

Já não tens o ar festivo,

Das longas noites de inverno,

Quando a indiada puro cerno,

Te rodeava folgazona

E quando, sobre a carona,

Enquanto a tropa dormia,

O xiru velho mexia

Nas hileras da cordeona!

 

Por isso as vezes eu penso

Que o guasca que te rodeia,

Espera o quarto e mateia

Decerto não compreendeu,

Que o tempo velho encolheu

Como lonca no relento,

E que o chucro acampamento,

Noite a dentro tremulando

É uma faísca esvoaçando

No fogão do pensamento!

 

Então fico entristecido,

Quando pego a me lembrar

Que cessará de alumiar

Estas paragens escuras

Quando o sol deixa as alturas

Desta querência sem par,

E até chego a desejar

Que tenha fim este mundo

Para viver num segundo

Onde te possa rodear

E contigo memoriar

Campeando rincões perdidos

Saudades dos tempos idos

Que jamais hão de voltar!...

 

E te juro fogão chucro,

Que o teu divino clarão

Será a última visão

Que hei de levar na retina

Quando a mão de alguma china

Um dia fechar meus olhos

E as lágrimas que desfolho

Na cinzas do teu borralho

São as lágrimas de orvalho

Da própria noite que chora

Pensando que vais embora

Deixando na escuridão

As pousadas do Rincão

Por estes campos a fora!

 

E assim como tu, que morres

Eu também vou me apagando

Pelas estradas tropeando

Meus recuerdos do passado,

Levo tudo enquadrilhado

No rumo da eternidade

Repontando uma saudade

No velho pingo estropeado

Que há de seguir a seu lado

Enquanto houver claridade!!!!!