DOIS TAURAS

 Jayme Caetano Braun

 

Um o Rio Grande indomado

De melenas pelos ombros

Que tirou curso nos lombos

Dos baguais- no descampado.

OUTRO- O Rio Grande letrado

Mas indomado também

Que à custa de querer bem

A velha terra bravia

Prancharam-se um belo dia

Rumbiando aos pagos do Além.

 

Se foram pra sempre- o Mouro,

Do Alegrete legendário,

O glorioso missionário

Voz de prata e alma de touro

E o Danton- trança de Couto

Da legenda campesina.

Dois ramos de sina-sina

Arrancados com violência

Pra dar sombra de Querência

Noutra Querência Divina.

 

Nos pagos de São Donato,

Rincão gauchesco e lindo

Ali- onde o velho Laurindo,

Sobre uma encosta de mato

Erguera, sem aparato,

Seu ninho de Tapejara,

Ali- na paisagem clara,

Do céu destapado e ancho,

Vieram ao mundo- num rancho

De santa-fé e de taquara.

 

O Dantan nasceu primeiro,

Num alvorecer de maio

E teve um petiço baio

Como regalo campeiro

E um nome-o nome guerreiro

Que fez tremer a nobreza

Homenagem- com certeza,

Do rude pai da criança

Que, sem conhecer a França,

Assobiava a Marselhesa.

Nasceu depois o mais moço,

No mesmo rancho nativo,

 

Trazendo no sangue vivo

Setembros em alvoroço.

Deram-lhe um nome colosso

De antevisão portentosa,

Como se a terra- orgulhosa,

Ritualiza-se selvagem,

Uma espécie de homenagem

Ao patrício Rui Barbosa.

 

Depois, a tropa da vida,

Os levou, de um lado a outro,

O primeiro, o índio potro,

Teve infância reduzida

E amadureceu na lida

Tropiando a sorte reúna;

O outro, buscou fortuna

No saber e na cultura

Chegando até a ser figura

De renome da tribuna.

 

E enquanto Rui estudava

Nos bancos da academia,

O Danton, cepa bravia,

No pampa perambulava,

Fazia história e peleava

Ao longo dos corredores,

Formando entre os gladiadores

Da Esparta Continentina

Que trazia na retina

A estampa do velho Flores.

 

O Rui fez-se advogado,

Foi bem logo promotor,

Ressaltando um orador

Do verbo mais inflamado.

Misto Pinheiro Machado,

Misto Silveira Martins,

Voz que lembrava os clarins

Das gestas da nossa terra,

Mandando cargas de guerra

Nos mais bárbaros confins.

 

E foi vencendo em função

Das cousas de seu Estado,

Do pobre desamparado

E da indiada do galpão,

Do sem-terra, do sem-pão

Do sem-futuro mal pago,

Da velhice miserável

E foi a voz mais notável


Das tradições deste pago.

 

Falando sempre a linguagem

De operário e peão de estância,

Na magia ressonância

Do seu lirismo selvagem

Vinha sempre uma mensagem

De amor e fraternidade

Que, acavalo na verdade,

Longe dos ódios terrenos,

Via grandes e pequenos

No mesmo pé de igualdade.

 

E o Danton? Cumpriu seu fado,

Que a morte não era pialo.

Um dia fui encontra-lo,

Pobre amigo abarbarado,

Qual um pau-ferro lascado

No rebentar de um clarão,

Sobre um catre, sem caixão,

Enleado num poncho azul...

Como um Rio Grade do Sul

Que implorasse uma oração.

 

Quem diria, que o Danton

O estancieiro sisudo,

O fidalgo melenudo

De sentimento tão bom,

Que nunca perdia o tom

E jamais fora vencido,

O gaúcho decidido

Que ninguém pisava o pala,

Abrisse caminho á bala

Pra entrar no desconhecido?

 

E morreu sem querer cruz

Nem flor, nem caixão, nem vela,

Cruzou solito a cancela

Que ao além-mundo conduz,

Como quem busca uma luz

Pra desvendar um mistério

E até nisso foi gaudério,

Crioulo e abarbarado,

Pois não quis ser enterrado

Num brete de cemitério.

 

Se foi- pra sempre, o teatino,

Para viver noutras zonas.

Escutar outras cordeonas

Lá- junto do Patrão Divino...

E seguindo igual destino,

Depois- Ruy Ramos caudilho,

Apertou bem o lombilho,

Numa tarde de neblina

E se foi, levando a china,

Na garupa do tordilho.

 

A ti, Ruy Ramos amigo,

Que venerei o venero,

A ti- Danton velho- austero

Que foste tão bom comigo,

Aos dois Rio Grandes bendigo

Neste poema de saudade

Pois sei quer, na eternidade,

Continuarão de vigília,

Pra que esta velha coxilha

Viva sempre em liberdade.