CORUJA DE CAMPO

Jayme Caetano Braun

 

China esquisita do campo

Eternamente tristonha,

Nessa cantiga medonha

Que apavora as noites largas,

Tu carreteias as cargas

Dos pesares da Querência

Na infindável penitência

De cantar cousas amargas.

 

Outros cantam alegrias.

Tu cantas penas e dores.

E ao longo dos corredores

De paste em poste passeias.

Te retorces, te volteias,

De tudo quanto é maneira

Que nem china lambanceira

Fuçando em vidas alheias.

 

Dizem uns, que és o fantasma,

Do curandeiro charrua

Que vaga em noites de lua

Por divina maldição,

E esse andejar pagão

De horrenda melancolis,

Te escondes da luz do dia,

Nas tocas, dentro do chão.

 

Há, porém, outros que dizem,

Velha bruxa de rapina,

Que és, uma formosa china,

Transfigurada em mejera

E que atrás da primavera

Que se foi, pra nunca mais,

Vives cumprindo rituais

Nas tumbas e nas taperas.

 

Dizem que quando tu gritas

Estás prenunciando morte.

E que chamas a má sorte

A todo rancho onde sentas,

E que as notas agourentas

Com que, acordas soledades,

São presságios de maldades,

De lutos e de tormentas.

 

Eu acreditava nisso,

Velha e triste feiticeira,

E na maldade campeira,

Que identifica os piazotes,

Vivia te dando trotes

Que hoje recordo com mágoa.

Enchendo-te a toca d´agua

Só pra judiar teus filhotes.

 

Mas um dia me dei conta

Depois que fiquei adulto

Que nesse mísero vulto,

Tão repleto de mistérios,

És amiga dos gaudérios

E confidente reiúna

De todos os sem fortuna

Que dormem nos cemitérios.

 

Tu és o pária do campo

Ninguém te empresta um afago.

És a leprosa, do pago,

Mal encarada e temida.

Todos te negam guarida

O que, talvez, nem te importe,

Porque se, és a guardiã da morte,

Só há morte onde existe vida.

 

Por isso eu fico contente

Quando vens ao meu galpão,

Me encho de satisfação

E até, receio que fujas.

Gosto de tuas penas sujas,

Da cor do chão que te abriga

Porque afinal, velha amiga,

Nós todos somos corujas.