Os Dons da Gauchidade

Hugo Ramirez

Por Deus, como eram joviais,
os tauras do tempo antigo!
Troçavam face ao perigo,
e ante maulas e baguais.
Estes Bravos ancestrais
forjaram nossa querência
ao longo de uma existência
sem se intimidar jamais.

Faziam da lida esporte,
e, sem maior aparato,
como na doma ou no corte,
rindo, enfrentavam a sorte,
na guerra, diante da lança,
na paz, valsando da dança,
sem se inquietarem com a morte.

Esse o feitio dos varões
que o Rio Grande nos legaram,
e que a alegria ensinaram
para as novas gerações.
Pautando suas ações
com bom humor e coragem,
coloriram a paisagem
com as mais risonhas feições.

Abreu, o bravo guerreiro,
dançava e peleava rindo,
e diz que morreu sorrindo,
em Rosário, no entreveiro...
Bento Gonçalves, faceiro
cortesão e espadachim,
e Perico, El Bailarim,
luzem no mesmo luzeiro...

São feitos de igual conspecto
Cintra, Almeida e João Manoel,
que às mágoas não dão quartel,
Os Fontoura e Souza Neto...
Por longo, o rol, incompleto,
nos mostra a grande verdade:
são dons da gauchidade
bravura, alegria e afeto.

Frente a tento exemplo dade
nos tempos de antigamente,
não se entende , no presente,
o cuera mal humorado..
Mesmo num mundo mudade,
mesquinho, cruel e vil,
não sejamos Boabdil,
chorando, ao ser destronado.

Se o Rio Grande se transforma,
e é espesinhado, por vezes,
atropelemos com as reses
do brio que nos deu forma..
E encetemos a reforma
da atual errônea conduta
partindo, a rir, pela luta,
como manda a velha norma!

Ao Rio Grande causa estrago
o centralismo monárquico,
desse domínio oligárquico
que o rói, como roeu Cartago...
O peão, de novo, é índio vago,
e a estância, empresa inumana...
Pois que a indiada veterana
reaja, animando o Pago!

E, se o gaúcho de fora,
é escorraçado e batido,
e até se sente perdido
depois que se veio embora,
dê-lhe o cetegê, agora,
o brio de que precise,
pra que se virilize
e construa a própria aurora.

Em mutirões fraternais,
rindo diante do perigo,
restaure-se o modo antigo,
com ações substanciais:
- bravos, firmes e joviais,
remodelando a querência,
em nova e audaz experiência,
honremos os ancestrais!