ÚLTIMO ADEUS DO TROPEIRO

Gulherme Collares


Um par de estrelas matreiras
refugavam o costeio de um reponte de alvorada,
quando o Roque aviou sonhos
extraviados de outros tempos...

Encilhando...e bem despacio...
...senta o xergão e a carona...o velho lombilho, já gasto...
...emparelha os pelegos...aperta a cincha...
...depois, badana e cinchão...
- tudo com muito capricho -
...apresilha o laço...enfia o cabresto sob o maneador...
...mais a mala de garupa e uma cambona nos tentos...
...junto do poncho emalado, mais um lote de recuerdos,
que nem tem aonde levá-los...a não ser no coração...

Emparelha as rédeas...busca o estribo...
...campeia a volta do pingo...
...e um trotezito chasqueiro
- de quem não tem aonde ir -
emparelha o corredor...
...de quem não tem mais vontade
de andar, campeando saudades,
dos tempos que, arrinconados,
escondem rumos perdidos
de quem gastou vida e sonho
no estalo do arreador...

Tropeiro sim...do lombo do cavalo...
...tropeiro sim...de vida e profissão...
...firmando rumos e estradas
com os berros da boiada
e o tilintar dos cincerros
sonando – menos no ouvido –
e bem mais no coração...

Pensa, o Roque, estrada a fora,
rumbeando pra uma tropeada:
“Pra onde foram-se as tropas
e quem soube conduzi-las...
...por certo, não é nas vilas,
onde se empilham campeiros,
que extraviaram-se as boiadas...
...perdidas no pó dos tempos,
rangem bastos – em lamentos –
como os berros dos tambeiros
que gastaram as peçunhas
pelas grimpas das estradas...
...babando a sina boieira
de topar rumo e destino
nas marretas das charqueadas...”

Tropeiro sim...era o Roque...
...campeiro e bueno de laço...
Como um monarca, em que o trono,
não era, senão o lombo,
de um baio – pingo de estampa –
pechador de qualquer touro...

E lembra daqueles tempos...
...ponteiro – chamando a tropa –
...o “venha boi” bem marcado,
na garganta redomona,
repicava, em contraponto,
co’os roncos de cada baixo
e a voz trocada, de hileras,
nos floreios da cordeona...

Balanceava o pingo baio
- rédeas presas sob as pernas -
embalando o corpo ágil...
...tal uma balsa vagando
na correnteza de um rio...

...sem ter mais ponto e sustento
que um pala branco voando...
...planando de contra ao vento...

E quando tocava um quarto,
de ronda, sob as estrelas...
...tranqueava – cantando baixo –
...canção de ninar boiada...
Passava o tempo – aos pouquitos –
como se o embalo do pingo
fosse um joão-grande – sozinho –
pelos azuis do infinito...

Aquilo tudo passou...à meia-rédea...
Os arreios emalados,
num quarto pobre da casa
miserável de uma vila...
...são tronos sem seu monarca
que hoje, amontoa na tarca
dos anos e dos desgostos,
vastas contas – que o destino –
lhe estampou – sinal e marca...

Porém – de pronto – a notícia...
...mandaram chamar o Roque
pra fazer tropa, de novo...
...pra ser ponteiro e orgulho
da raça – que não se entrega...

Por isso emalou o poncho...
..por isso juntou os trastes..
..eis a razão pra’o tropeiro
- já velhito – empreender rumo...
...campeando a sina estradeira...

E foi assim que partiu...
...despedindo-se dos seus...
...trote chasqueiro do baio...
..sorvendo poeira de estrada,
bebendo luz nas canhadas...
...pra ser ponteiro – de novo –
na comitiva, dos muitos,
que foram tropear pra Deus...