ROMANCE DO PICAÇO ESTRELA

Guilherme Collares




- Que Deus maldiga a memória
do índio Pampa bandido
que matou o meu cavalo!...
... rumina Sargento Antonio
- cavalaria gaúcha -
engatilhando a garrucha
de uma vida que se esvai...

- Que Deus maldiga a memória
do índio Pampa bandido
que matou o meu picaço!...
... e matou a própria fome
co’a carne do meu pingaço
nos chacos do Paraguai.

Até recordo do dia,
no acampamento em Corrientes
- e já faz quase três anos -
que chegou a cavalhada
do tal de Venâncio Flores
- o caudilho do Uruguai:

Nem encerraro a manada
e eu já tinha cobiçado
aquele picaço estrela...
... com brilhos de pontezuela
fulgurando no olhar.

Eu lacei no manguerão!...
Eu mesmo sentei as garra!...
Ele queria uma farra
e eu agüentei o repuxo!...
Pois todo potro velhaco
dá um cavalo de respeito
pros arreio de um gaúcho!
- E agora?... Sem meu cavalo?!...
O que é que vai ser de mim?
Des’que acampamo por perto
da tropa dos argentino,
co’aqueles índio bandido
- e já vai pra mais de mês -
que eu passo as noite de em claro
co’a soga do meu picaço
na mão – que é pra não dar vez!

- E na noite de anteontem
eu me dormi e, pra sorte,
a soga se me escapou
e a mi’a desgraça se fez!

Campeei e, no outro dia,
já achei o estrago feito:
A buchada... as pata... os resto
- faltava até a cabeça! -
do meu picaço mentado...
... que foi sangrado e carneado,
e foi assado e comido
como se fosse uma rês!

- La pucha!... Que banditismo,
malvadeza e judiaria
que um encontra pela frente!
- Comer carne de cavalo,
não mal comparando, é o mesmo
que comer carne de gente!

E quanta andança fizemo!...
E quanta lança trançamo!...
A nossa carga era um dano
na infantaria inimiga!
E o General – há quem diga –
comparando a nossa sorte:
- Que o meu picaço era um forte
e eu – um anjo da morte –
lanceando vida por vida!

Dei queixa pra’o General
do sumiço do cavalo...
Nada podiam fazer!...
E des’que entremo no Chaco
e morreu a cavalhada!...
- Um gaúcho sem cavalo
é mais uma sepultura
plantada longe do pago
que viu a gente nascer!

- E agora?... Sem meu cavalo?!...
O que é que vai ser de mim?

Um tiro corta o espaço...
... assombrando a noite grande
do acampamento aliado
nos ermos do Paraguai...

E encontram Sargento Antonio
- cavalaria gaúcha -
com a cabeça caída
e um fio de sangue a jorrar...
Nos olhos o mesmo vítreo
cristalino e luminoso
daquele picaço estrela
... com brilhos de pontezuela
fulgurando no olhar.