ROMANCE CAUDILHO

Guilherme Collares

 

Um sol baixo – o dia lindo –
reflete flecos de ouro
nas carquejas da coxilha...
... e o vento da primavera
tempera suor de cavalo
com os cheiros da ansiedade...

De cima de um zaino negro,
o caudilho comandante
repassa a tropa – a galope –
à frente dos esquadrões.
Os estribos de campana,
e as nazarenas de prata...
... um pala branco voando
y una golilla encarnada...

– Quem for homem que me siga!...
... quem não for, pode ir embora!
Porque o momento é agora
pra largar esta coluna...
... sem que eu mande – ou mesmo bote –
a gravata colorada
em garganta de covarde
ou pescoço desertor!

Não conta quantos lhe esperam
nem olha quantos lhe seguem...
... chama o zaino nas esporas,
atira o corpo:
Adelante!...

Raias de sangue nos olhos
refletidos pela espada.

Descambam – coxilha abaixo –
nas asas da trovoada
das ondas estertorosas
de muitos pares de cascos...
... e gritos – chamando a carga:

Ibibibibibibibibiu...

E rompe a fuzilaria
da infantaria inimiga.
Roda um pingo e outro pingo...
... e mais outro, e muitos mais.
Buena carne montoneira
- e peito de pêlo-duro -
rasga chumbo e atropela...
... deixando um rastro de morte
e abrindo um clarão de sangue
no batalhão dos infantes.

O caudilho grita forte
pra’um negro que vem ao lado
- co’o clarim à meia espalda -
num tordilho redomão:

– Toca ligeiro, Terêncio!...
... antes que a força disperse!
Toca logo o reunir!

E quando o cabo Terêncio
enche o pulmão pra’o repique,
quatro balaços certeiros
furam-lhe o fole do peito...
... o bocal colado aos lábios
e um brilho vítreo no olhar...
... o clarim – como um padrillo
solta um medonho relincho,
antes de o negro expirar.

E quando o velho caudilho
atropela em retirada,
vendo a força dominada
pelo exército inimigo,
boleadoras chimarronas
- ligeiras como um mandado -
lhe sacam o chão do zaino...
... que cai – num ronco de morte –
com o pescoço quebrado.

De vistas escurecidas
pelos olhos injetados
num misto de ódio e sangue,
o general comandante
- as armas descarregadas -
distribui golpes de espada
- em seco... no ar... ao nada -
contra os muitos que lhe cercam...
... ouvindo as ordens – gritadas –
de um capitão inimigo:
– Degolem agora mesmo
esse porco com galões,
que essa gente maltrapilha
teima em chamar general!...
Vamos ver se – no final –
vai cair como um guerreiro...
... ou se vai pedir perdão
e morrer como covarde...
... sangrado como animal?!...

Mas – de repente – um balaço...
... outro mais... e outro ainda!...
... e um tambor – surdo – de cascos
- num abalado tropel -
rompe a tarde, no ar parado.
E o comandante – extraviado –
cego e perdido no espaço,
sente um forte par de braços
que lhe suspendem do chão.

E rompe a fuzilaria...
... junto aos gritos de impropérios
- que se perdem na distância -
do capitão inimigo:

– Vou mandar passar nas armas
a cambada incompetente
que – depois de dominado –
deixou o preso escapar!

Já na anca de’um cavalo,
o caudilho comandante
ouve a voz do cavaleiro
que arriscara a própria vida
para – a sua – vir salvar:

– Cheguei pronto – comandante! –
quase le botam na estaca!
Mas é certo – e não se esqueça:
Nossa gente não recua,
nem – muito menos – deserta!...
Nem a morte – por mais certa –
faz nossa gente correr!
Do medo, nasce a coragem
e a certeza dos valentes:
Ninguém fica pra semente!...
... quem vive, tem que morrer!....