RÉQUIEM A UMA COZINHA DE PEDRA

Guilherme Collares


 


Numa querência que tive,

de campo de sonho e vida...

Um antigo fortim de pedras

de uma cozinha campeira

me retornou pro meu eu,

adormecido em mim mesmo...

 

Me deserdo dos meus olhos

pelas tristezas que vejo

no pago que conheci...

 

...com saudades da criança

que mudou... mudei; mudastes...

... e por meus olhos, eu vi!

 

A cumeeira da cozinha

cansou de exercer seu fim...

...e por seus olhos, eu vi...

esta saudade daninha

que nasceu, na tardezinha,

quando as pedras - da cozinha,

retornaram pro seu meio.

 

O que um dia foi da terra,

para a terra há de voltar!

... neste eterno renovar

do tudo que em nós existe.

Não vão, as mágoas do triste,

a lei dos tempos mudar!

 

Protetora - no seu eu...

mescla de forte e de buena;

misteriosa, cheia, plena...

Com semblantes de passado.

Memoriais escriturados

em cicatrizes terrenas.

 

Foi quando me vi brotado

que tive do teu mais terno...

Mateava - de manhã cedo;

"tardecita"- sol de  inverno...

com a alma da cozinha

revivendo na fumaça

meus antigos ancestrais;

a ensinarem - lampeiros,

o seu mister - de campeiros

de sábios e de guerreiros,

aos que seguiram-se após...

 

No fogão - há muito só;

cansado da solidão

de não ter a companhia

dos seus velhos tauras-pais,

que matearam em teu seio...

restou - solito e tristonho,

o empredrado das brasas,

das muitas chamas de pátria,

de fogão e corações,

que aqueceram os teus dias...

"yerva amarga"e picumã...

 

... e foi graxa de costela,

foi tisnado de cambona,

muitas crias de cadela

que o teu calor "acunou".

 

Numa fresta centenária

que se abria na cumeeira

com frente de corruíras

ensinaram para os homens

os segredos de uma vida

de harmonia com seu meio.

 

Um banco velho marcado

- com marcas de muitos longes -

de estância, história e passado...

As velhas marcas que outrora

retoçavam nos setembros

pelos quartos das eguadas...

Que fizeram muitos rastros,

de léguas... léguas e léguas,

nas picanhas dos tambeiros...

pra sangrar nos matadouros,

na carniça das charqueadas.

... Essas marcas velhaqueavam

nos costados do banquito.

 

Foi o berço do meu sangue...

de bugre, de pêlo-duro,

de negro, de castelhano,

de mouro... do que sou hoje!

...um resumo ensimesmado

da mescla continentina,

que brotou na cisplatina

das sementes do passado.


 

Foi a marca de uma raça

que nasceu embrutecida,

e viveu na dura lida


das tropas e gadarias...

que dobrou as invernias

com poncho-pátria e "sombrero".

Foram estes o sinuelo

aos matreiros da cultura

que cultuam as memórias

e valores verdadeiros.

 

Eu vi...

... meus olhos viram...

coração negou-se a olhar!

... o fortim a retornar

ao seu meio original!;

a cozinha maternal

já não aquece os meus dias,

o tempo desmancha sonhos

num processo natural.

 

E o chão chamou para sempre

a cozinha - para si...

...e por meus olhos, eu vi...

coração nem enxergou!

 

Só a saudade me restou

neste réquiem à cozinha...

da querência... que era minha...

... no pago que conheci...