PAGO - SAUDADE

Guilherme Collares

 

Um manojo de recuerdos

revive, longe do pago,

as mesmas velhas saudades

do que já tive e perdi…

…e os pensamentos transcendem…

 

Alço asas…

…e num sonho de retornar ao que fui,

tranço milongas nos dedos

das guitarras do meu ser…

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Encontro o bugre charrua

- que habita em mim -

gritando em noites de lua

na ode à incompreensão

dos seus costumes “selvagens”...

…e sinto o bradar das vozes

da matança e da barbárie

que, de tempos tão longínquos,

ecoam até agora…

 

Encontro o taura-andarilho

- melena…cara-tostada -

que traçou na geografia

um resumo do que sou…

…e me renova a vontade


de cortar os quatro-ventos

com a aba do sombrero;

e deixar marcas de cascos

pelas mesmas   sendas pátrias

que já cruzei no passado…

…no meu andejar sem rumos

à procura de mim mesmo…

 

Entretanto, como no passado,

cansei-me de tanto andar…

…e venho a nascer querência,

na simplicidade de não almejar ser algo

que já não houvera sido.

E um pequeno pórtico de sonhos

faz de mim um centauro-guardião

de um pequeno pedaço de universo de coisas minhas…

…ao qual chamei de pago…

…querência!

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Revivo a figura do meu pago…

…e as formas de um fortim formado de pedras;

terreiro, mangueiras e galpão

- aos quais meus sonhos rodearam de lembranças -

fazem de mim - ao longe -

um simples eco do que já fui…

…como um lamento…

 

E o mesmo nó na garganta

- sentido ao deixar meu pago -

se faz presente comigo…

…nos intrínsecos caminhos de mim mesmo…

…como um peçuelo guardado

na mala-de-garupa dos meus sentimentos.

 

Retorno à simplicidade da gadaria-de-osso

  - como um marco de memória

à criança que já fui…

…o mate da tardezita à sombra dos cinamomos,

os contados dos mais velhos,

as conversas de galpão,

as lidas do dia-a-dia:

Encilhar de manhãzita e sair ringindo os bastos,

sentindo o cheiro dos pastos aromando o coração…

…e a alvorada repontando um restolho de estrelas

da tropa da noite…

…que já se foi…

 

Os apartes de mangueira,

a esquila, o carneador;

um longo ronco de mate

- onde troteiam solitos

meus pensamentos mais livres…

…simplicidade terrunha

resumida  em  harmonia...

 

E os cerros como querendo endereçar um postal:

…marca-saudade…

…aos mais profundos lugares,

que a distância do meu pago

me fez conhecer em mim…

 

E sinto…

…como se cada flechilha,

cada flor de corticeira,

cada pedra do terreiro,

cada esteio do galpão…

…representassem um infinito vazio-saudade

no meu proscrito exílio de andar longe…

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Os arroios do tempo correm…

…correm  para um sempre não-mais voltar;

e a criança que fui…que sou…sempre serei…

…vive escondida em meu peito,

à sombra do adulto inconforme…

…como um diarista de mim mesmo…

 

Minha querência mudou…

…os tempos também mudaram

e eu, não pude acompanhar.

E o mesmo bugre charrua,

e o taura cara-tostada

dos meus ancestros recuerdos

- póstuma residência em mim -

quando a saudade se mostra

já não conseguem calar…

 

E por isso…

…um manojo de recuerdos

revive, longe do pago,

as  mesmas  velhas  saudades

do que já tive e perdi…

E assim, nesses instantes,

a guitarra parafraseia

os sentimentos que trago…

 

E o coração se revolta com a passagem dos tempos…

…a mudança nos eventos…

…o pensamento confunde,

cresce o aperto no peito,

vertem vertentes dos olhos…

…e o semblante ensombrecido

revelando a nostalgia…

 

E o manojo de recuerdos vai crescendo despacito…

…e o tempo…este passou…

…eterno não retornar

…tanta saudade que tenho…