NA PAREDE DE UM MUSEU

Guilherme Collares

A lua nova nascendo
na parede de um museu...

A meia-lua deitada,
sangrada por uma chuza
- doble moharra perdida -
da lança desconhecida
num tempo que não é seu...
... lembrando a mente cansada
que eu também ando perdido,
com saudade de outros tempos,
num tempo que não é meu.

O cabo de guajuvira,
de tanto ser empunhado,
tem o mesmo brilho vítreo
- sovado à força de couro -
do pescoço de um palanque...
... cada nó que guarda o cabo
são restolhos de passado
num futuro itinerante.

Aquela lança é um resumo
da memória dos andantes!...

A ponteira que, outrora,
rasgou carne e feriu sonhos;
hoje, passa indiferente
aos olhos de tanta gente
que não sabe o que era o tempo
em que brigar era regra
e em que morrer era fato
consumado e bem aceito
com honrado destemor...
... e viver era uma guerra
destinada a ser vencida
pela força de vontade,
a coragem e o valor.

Aquela lança é um exemplo
de fé, de força e vigor!...

E como arma, que era,
destruiu e machucou
por qualquer extremidade...
... o cabo calava a bota
e calejava a mão rude....
... a ponta rasgava carnes
e fraturava ossamentas,
num tipo de ferimento
que alcançou, numa arma branca,
a maior intensidade.

Aquela lança é um aviso
cabresteando a realidade!...

Aquela lança retrata
o que fomos e o que somos...
... cerne e aço... templa e chama....
... e o verbo, como um lançaço,
na mesma extensão do braço
que tanto machuca e mata
como acalenta e irmana.

Aquela lança regressa
os olhos de quem a vê,
com a lente do passado,
a um tempo que imaginamos...
... aquela lança transporta,
num vôo de pensamento,
nossos caudilhos recuerdos
a um tempo com que sonhamos.

Aquela lança convida
nossos quereres vaqueanos!...

O que tanto representa
ao sentimento crioulo!...
O que tanto simboliza
a vontade deste povo
de ser pátria e de ser grande,
hoje, repousa esquecida
e passa, aos olhos de tantos,
em total indiferença!...
Como tantos desvalidos
e abandonados da sorte...
... o cerne, o aço e a força
da nobre raça campeira.

E o meio-olhar dolorido,
na meia-lua deitada,
da lança desconhecida,
verte lágrimas de sangue
de saudade de outros tempos,
num tempo que não é seu...
... e o meu olhar dolorido,
que também anda perdido
num tempo que não é seu,
salga o rosto de saudade
vendo a imagem esquecida
da lua nova morrendo
na parede de um museu.