M0MONÓLOGO A PÉ

Guilherme Collares

- Don Antonio, toma um trago!...
- que eu já quaje borracho
e me empedá de vez! -
... que hoje, o assunto é mui largo
e, na botella de canha,
quero vê se alcanço um tempo
que não seja tão amargo
e que não seja tão preto
de miséria e escassez!

 

- Don Antonio, a cosa é bruta!...
nas estância da frontera
o mundo perdeu as conta
e nem parece que é mundo!...
... a lo menos não é más
aquele que a gente tinha!

 

- Estância grande, já no hay...
... como havia inté bem poco,
faz trinta e pico de ano!

- Premero, viero os gringo
e compraro a estância véia!...
... co’aquele jeito na voz
que parece ladainha.

 

- Inté aí, más o meno!...
... que apesar de tanta granja
e planta, que não prestava,
tinha a soca das lavora
engordando boi e pico...
... e nós inda inté tropeava!

 

- A Estância do Ñandubay...
... que nascemo e nos criemo,
que vivemo e trabaiemo
bem más que uma vida intera!...
Indiada linda, campera,
facera e buena de laço...
... e, facilita, nas criolla,
inda corria as chilena
nas tropilla cabortera!

 

- Nem le conto, Don Antonio:
um gringo comprô do otro!...
... e esse tal do gringo novo
diz que vai plantáarve!...
... carcule que linda estância
virada só em laranjera!
- Cada invernada de lujo
e boiada bichareda
que dava gosto a mirada!...
... Mal virava a primavera,
no nascê da ternerada,
e era a cosa más linda
a lida da nossa indiada:

 

- Recorrê campo - bem cedo! -
reparando a parição...
... pra puxá algum ternero
- vaca de premera cria -
que, não fosse a mão dos home
­- justo! - morria trancada.

 

- Despôs, alguma parida,
co’o parto depindurado,
que a gente sacava a custo,
com dois pauzito – enrolando –
a pária da vaquilhona...
... jogando pra’um lado e otro,
pra não ficá rebentado.

 

- E no forte do verão,
bichera, banho de gado...
... e o patrão já andava oiando
pra o estado da boiada,
apartando os mais pareio
pra compô uns lote bueno
pras tropa de abril e maio.

 

- E eu vinha – bem de a cavalo! –
chamando a ponta da tropa
nas estrada da frontera:
- Venha, venha, venha boi!...
... levando pra São Domingos
o mismo bandeando a linha
nas madrugada chuvosa
- quietito e sem alarido -
por causa da caminera.


- Se era lindo aquele tempo!...
- Don Antonio, mais um trago!...
... a canha aviva a lembrança
e, por certo, as esperança
da morte chegá ligero
pra me adoçá esse amargo!

 

- Não bastava a judiaria
da tal plantação de arve
e esse tipo desgraçado
trocô inté o nome da estância!...
“VALE VERDE”

 

- E o galpão do nosso tempo,
se era, então, cosa más linda!...
… sempre vinte o trinta home:
a peonada ajustada,
um domadô, inté dois;
uns quatro o cinco changuero;
dois casero, a cozinhera...


... que por sinal eu fresteava
quaje todo os meio-dia
na quinta das laranjera...
... um pedrero, um carpintero;
e pros jardim da patroa
tinha até um jardinero!

 

- Pro consumo da semana,
e isto só no ano redondo,
nós carneava quatro, cinco;
as vez até seis capão...


... porque se havia quadrilla,
com dez, doze alambradô,
o nas comparsa de esquila,
com mais quinze o vinte home,
demudava pra uma vaca!...
... e mais algum borregão!

 

- Don Antonio, aquele tempo
é que era lindo e folgado!...
... nós trabaiava facero
e, quaje todos os dia,
só por farra e estrepolia
inda quarteava os paisano,
oreiando os desbocado.

 

- Como disse o tal do gringo:
“hoje os tempo já são otro!”
Tem razão o desgraçado,
que as estância tão se indo
e a gente, apartado delas,
vai vivendo do passado.

 

- Um passado que era lindo:
uma vida de a cavalo!...
... sem mais lei nem lida buena
que andá sovando pelego,
e ovindo o tirrim da espora
contraponteando os gemido
da carona contra o basto.

 

- Don Antonio, toma um trago!...
... que hoje, um pobre peão campero
não tem mais sorte que a vila,
carroceando a vida ingrata
nuns matunguito esmirrado!...
- E eu, que me perdi, extraviado...
- e já quaje borracho! -
... quero vê se alcanço o tempo
que não era tão amargo...
... em que era moço e campero
e os caminho eram mui largo...
... e as estância da frontera
era a própia alma matrera
da gente do nosso pago!