MEMÓRIAS

    Guilherme Collares

 Me vi nascer, de repente,
como brota um manancial
que, na inconstância de um rumo,
toma a forma de vertente...

Recebi sons de ninar
que me embalaram o sono;
pelos grilos, sapos, aves;
o suave andar das águas,
relinchos, berros, latidos
e um vento norte a cantar...

Tive um berço de canhadas
rodeado por muitos montes;
e um retoço caborteiro
dos andejos horizontes.
Vi muitas luzes e cores,
de sóis e luas, trazidas;
vi estrelas escondidas
nas furnas negras das noites;
Trazendo a noite por diante,
vi a Boieira, em tropel;
e depois, num mesmo instante,
me trouxe a D’alva, contente,
um sol vermelho, nascente,
todo embrulhado de céu.

Os ventos me levantaram
e mirei os horizontes...
Senti, nos pés, os repontes
do pastiçal convidando;
e vi meu corpo andejando
apoiado pelos montes...

Molhei meus pés nas aguadas,
brinquei com luas nos cerros,
senti sons, pelos enlevos,
que o campo aberto trazia;
revivi, na calmaria,
um sonho, depois da infância:
Embuçalar a constância
de ser eu mesmo algum dia!

Encilhei um potro baio
- ruano - tanta coragem...
que me levava à visagem:
Horizontes de fartura...
Me entreverei nas lonjuras,
campeando as velhas ganâncias;
Cansei o potro, as distâncias,
não achei o que campeava...
senti falta do que estava
guardado na minha infância...

As léguas iam e vinham,
pra trás, os rastros ficavam;
pra frente, os olhos não viam,
nem sei mesmo se olhavam...
O potro baio cansado,
meu peito tomando aprumo,
dei de rédeas pro meu rumo,
retornando pro passado...


Me senti na bagualada
retoçando pelos cerros,
aprendi com os meus erros
pra não repeti-los mais...
Do vento, tive a tenência
que me afastou do desterro:
Segui a égua madrinha
de uma saudade daninha,
que me levava à querência
com carinhos de cincerro!

Voltei como a primavera,
com certezas de cigarra;
com lamentos de guitarra
me denotando o que eu era...
Saudade atada nos tentos,
potro baio pelechado,
olhar feliz, renovado;
luzeiro novo por dentro...

E renasci, de repente,
como brota um manancial;
que, na constância do rumo,
toma a forma de vertente
pra se encontrar, afinal...