DE RUMO E SONHO DOS QUE ANDAM LONGE

Guilherme Collares

ollares

E foi assim que deixei meu pago:

semeando sonhos pra colher saudades…

…levando ausências de taperas nos olhos

e silêncios de furnas guardados em mim…

 

Nos grotões da alma de quem anda longe,

os rumos perderam seu valor real…

…as léguas do ontem são tênues lampejos

refletindo dores num duro amanhã…

 

E os sonhos que nascem envoltos em ânsias,

transformam distâncias no pago querido;

e o trote inconstante e sem rumo do tempo

faz pausa na marcha…parece que para…

…nos muitos instantes de recuerdos vivos…

…que a lonjura do meu chão semeou a cuidado

na terra lavrada dos meus sentimentos…

 

E quinchei dentro d’alma um rancho de esperas…

- santa-fé e torrão que me trouxe um destino -

…mesclando o rumo de um andar sem tino

num pensamento que restou refeito…

O tempo…no rancho transformou tapera…

Do sonho…restou somente uma nova quimera…

…contrabandeando saudades

pelas fronteiras do peito…

 

Só quem não anda não sabe

o que a distância do pago, de mal, lhe pode fazer:

…caminhando pela vida…”Boleadeira sem manicla!”

…as léguas ensinam rumos…demarcam dores…

…gastam bastos e caronas…cansam fletes…

…desmancham sonhos…

…dos que vencem as distâncias

enganando as próprias ânsias

pra tentar não mais sofrer.

 

E o pensamento de quem anda longe…

…Ah!…o pensamento…

…como a florzita de trevo que abre na primavera

- tão pura e simples…singela…

…tal é o exemplo que explico…

 

O pensamento semeia o ouvido

de berros de terneirada de chiqueiro

…na mangueira - de manhã cedo - esperando pra mamar…

Da festa em latidos da cachorrada de campo

…esperando o pessoal pra camperear…

Dos ringidos de basto e carona…

…convidando a mente a não pensar em mais nada…

Um longo ronco de mate amadrinhando solito

as conversas de galpão, os chiados da cambona

…estalar de fogo grande num cerne de coronilha

…dos que aquecem mais a alma que propriamente a ossamenta…

 

O pensamento deslumbra os olhos

com sóis vermelhos nascendo

…coloreando uma alvorada…

Um tapete verde - em campo -

de primavera enflorada…

Uma flor de corticeira

sangrando um céu azulado…

 …que uma manhã de setembro perpetua em luz e cor

num dos tantos retratos que guardo na alma…

E a estrela Boieira vem de ponteiro

da gadaria da tropa de estrelas da noite…

…co’a égua madrinha das Três-Marias batendo cincerro…

…e os tambeiros do Cruzeiro de sinuelo…

 

O pensamento relembra o gosto do pão-de-forno

- das avozinhas campeiras -

…sovados à mão e postos no forno por alguma pá antiga…

…daquelas feitas por algum negro velho…

…do tempo da escravatura…

O pão feito a fogo e carinho…

…que já não existe mais…

…como o forno e a pá…

…muito menos as avós…

 

E a dura lida de tropear recuerdos

revive o ontem que se acaba em nós…

…como inútil transição que somos

do que era antes…pra um amanhã…

…que virá após?

 

E o pensamento revive…

…a changa bagual de correr rumos,

que já não é mais conquistadora dos meus anseios,

os quais me foram legados…passados…

…e guardados em mim.

…através dos gens dos muitos gaúchos-centauros

que formaram o que sou…

 

Os que cortaram o Continente de São Pedro

- afiando adagas e aquecendo o cano das garruchas -

…no tempo em que a força do braço e os pingos buenos

eram a riqueza maior dos gaúchos de lei…

…dos quais viemos…razão do que somos…

…dízimo que herdamos…

…ensinamento a passar adiante…

 

E a sina de andar longe se denota

num vil caminho de ásperas mazelas…

…ao coração taciturno do que deixou seu pago…

…sorvendo os dissabores da saudade…

- a cada dia…cada hora…cada instante -

…cevados num amargo de tristezas…

 

E de tão longe…retomo a estrada…

…rumos de mim mesmo…rastros que deixei…

…às vistas do pago que tento encontrar…

…colhendo saudades dos sonhos semeados…

…taperas nos olhos…recuerdos guardados…

…lampejos de um ontem…

…que vivo a buscar…