VELHA CORDEONA

Cabeleira

 

Minha velha gaita ponto,

Quando te escuto tocando,

Eu fico te comparando

Com a história da nossa terra,

Teu toque é um grito de guerra

Que a toda a pampa desperta;

É o grito do quero-quero

Ecoando na noite calma,

Gemido d’alguma alma

Numa querência deserta.

 

Eu e tu, velha cordeona,

Temos o mesmo ideal,

O mesmo estilo bagual

Que não quebra nem destronca,

Dois tentos da mesma lonca,

Torcidos do mesmo jeito

E se te escuto de longe,

Sinto tamanha emoção

Que meu velho coração

Corcoveia satisfeito.

 

Quando te abres marcando

O compasso da vaneira

Eu vejo em tuas hilheiras

A nobre cavalaria

Marcando em fila se ia

Para morrer ou matar,

Do outro lado, teus baixos,

São generais no comando,

Heroicamente gritando

Mandando a tropa marchar.

 

E quando um taura te espicha,

Num milonga chorona

Parece, velha cordeona,

Que minh’alma se revolta

E campo a fora se solta

Num galopito mais forte,

Mas quando a “marca” termina

O teu lamentoé o gemido,

Indo ao encontro da morte.

 

As vezes churumingando,

Junto ao foguitode chão,

Eutenho a pura impressão

Quando o guasca te dedilha

Que és um clarim na coxilha

Tocando na noite escura.

Contigo, velha cordeona,

Venho marchando na frente,

Dizendo p’ra nossa gente

Que tradição é cultura.

 

Duas alças, couro cru,

Nos baixos e no teclado

Trás o guasca acolherado

Como o gaúcho à chinoca,

E o gaiteiro que te toca

Fica garboso de um jeito

Que a quem conhece, parece,

Que aquele teura arrumado,

Tem o pampa palanqueado

Junto ao palanque do peito.

 

Teu fole velho furado

D’alguma ponta de faca,

Parece a velha bruaca

Jogada sobre um cargueiro

Ou pessuelo de um tropeiro,

Troperiando a trajetória

Porém quando ela se fecha,

No vai e vem do teclado,

Parece um livro guardado

Cheio de coisas da história.

 

Duas hilheiras de teclas

Que acompanham oito “Baixos”

Que roncam qual índios machos,

Quando algo descombina,

Tecla, lamento de china,

Rezando a Deus com paciência,

Pedindo que ampare as almas

Dos tauras que não voltaram

E que peleando tombaram

No chão de outra querência.

 

Teu toque é um chamado xucro

P’ra que o guasca venha á luta

O xiru, quando te escuta,

Floriando marcas do pago

Sente por ti tanto afago

Que eu penso a todo momento

Que o gaúcho que tem alma,

Sem heresia ou contenda,

Vê em você a 1ª Prenda

Da velha pátria de Bento.


 

Se és estrangeira... Que importa?

Pois nada é mais importante

Que a sinfonia vibrante

Quando o gaiteiro te capricha.

E com o laço, te espicha,

Xinchando a armada do pialo;

Tu és muito mais gaúcha

Que o som de cotes e valsas,

Pendurada pelas alças

Na anca de algum cavalo.