SAUDADE

Glaucus Saraiva

 

Planchou-se o sol no horizonte.

Serena, reza uma fonte

num murmúrio sossegado.

Há um misticismo de prece

quando a tardinha adormece

nos braços do descampado.

 

A noite se chega aos poucos...

Corujas e dorminhocos

Contradançam em vôo raso.

No banhado a saparia

com seu coaxar de aporfia,

serenateia o acaso.

 

Um vaga-lume se evola,

um grilo afina a viola

num repicar de tristeza,

e eu me fico a imaginar

que há uma canção de ninar

nos lábios da natureza.

 

E dormem os capões de mato,

cochilam sangas, regatos,

quase tudo adormeceu.

Sonham lagoas, açudes,

e nessa imensa quietude

quem não dorme sou eu.

 

Repasso os olhos vividos:

vejo alambrados caídos,

os meus roçados desfeitos.

Tapadas de dissabores,

taperas interiores

nos coxilhões do meu peito.

 

Lembro rodeios bisonhos,

quando encilhava meus sonhos

pra camperiar meio só.

Hoje, solito em meu rancho,

tenho cismas de carancho

e introversões de socó.

 

Como lonca merencórea,

vou desdobrando a memória

da longínqua mocidade.

Com a faca de pensamento

aparo tento por tento

dessa lonca que é a saudade.

 

E vou trabalhando a trança

desses tentos de lembranças,

que vêm desde a meninice,

apresilhada à inocência,

com idéias de adolescência,

na ilhapa da velhice.

 

E com cuidado repasso

os remendos deste laço

que tanto e tanto costuro,

pois com ele, remendado,

é que cincho meu passado

de arrasto para o futuro.

 

Assim, vezes sem conta

tiro tentos dessa lonca

que o destino me deixou.

Na minha velha indigência,

do "remate" da existência

foi tudo o que me sobrou.

 

Saudade...lonca comprida;

Saudade...couro da vida

passada que se viveu.

Saudade...laço manheiro,

tu és o último apeiro

de um guasca que envelheceu...