LENDA DO QUERO-QUERO

      Glaucus Saraiva

 

      Nos velhos tempos de antanho,

      quando o campo era sem dono

      O guasca era um rei no trono

      verde-escuro das coxilhas...

      Sua corte eram tropilhas

      selvagens dos potros bravos.

      O pampa não tinha escravos,

      onde tudo era igualdade,

      E o pendão a Liberdade !

      A espora que retinia,

      a garrucha, a lança esguia

      a boleadeira e os cavalos,

      eram somente os vassalos

      que o gaúcho conhecia.

 

      Mas um dia a prepotência

      mostrou as garras malvadas!

      Banhou de sangue as estradas,

      cobriu de luto a verdade,

      e em troca de liberdade,

      trouxe grilhões de negreiro.

      Porém o guasca altaneiro

      boleou a perna no pingo,

      E foi pra luta sorrindo,

      porque o destino mandou.

      Muito gaúcho tombou,

      mas, entre os guascas sombrios,

      a prepotência caiu

      e a liberdade ficou!

 

      E no lombo das coxilhas,

      no largo dos descampados,

      cabos de lança, quebrados,

      apontavam cemitérios.

      E os quero-queros gaudérios,

      por sobre aquela tristeza,

      pairavam sua nobreza,

      como por artes divinas.

 

 

 

 

 

 

 

      E, descendo nas campinas

      por onde o sangue rolou,

      Um bando imenso pousou

      e embaixo d'asa escondidas,

      guardavam as pontas perdidas

      da lança que o índio amou...

 

      Agora, pela amplidão,

      na coxilha e o pampa enorme

      o quero-quero não dorme,

      como eterno guardião.

 

      Às vezes, na noite escura,

      Como um grito de amargura,

      estridula seu cantar...

      É a alma de algum gaúcho,

      que, num último repuxo,

      se levantou pra pelear!

 

      E qual um centauro alado

      que se ergue do banhado

      cavalgando uma ilusão,

      voará, como a esperança,

      guardando, à ponta de lança,

      a Gaúcha Tradição!