GARRUCHA

Glaucus Saraiva

 

Garrucha de olheiras fundas

que traz a morte nos olhos.

Recordo, quando desfolho

as tuas glórias passadas,

relinchos de almas penadas

que andam rondando taperas,

assombrações de outras eras

quando tua voz era lei.

Quando o gaúcho era rei

e tu, soberba rainha,

representavas, sozinha,

uma epopéia de glória.

 

Ora trançavas a história

de algum taura romanesco,

ou o episódio dantesco

de uma batalha pampeana.

A tua voragem insana,

na pampa verde e bravia

a fogo e chumbo escrevia

odisséias imortais...

e vereditos brutais

a trombetear pronunciavas

quando - juiz - sentenciavas

nas tragédias passionais.

 

Na ilharga de algum torena,

pacholeando em monarqueada,

foste prenda acariciada

como um corpo de mulher.

E se uma razão qualquer

te despertava a voragem,

se ouvia, louco e selvagem,

teu gargalhar seco e forte.

 

Garrucha, chasque de morte

nas vigilâncias soturnas.

Garrucha, mulher noturna

de amor sádico e fatal.

Teus lábios frios de metal,

incandescidos num beijo,

transmitiam num lampejo,

o teu carinho letal.

 

Nas festas grandes de Marte,

no salão verde do pago,

teu canto, rouco e pressago,

marcava o baile guerreiro.

O gaúcho caborteiro

te amou, garrucha nervosa,

marafona belicosa

das bacanais do enterevo.

 

Garrucha de olheiras fundas,

pobre rainha sem trono.

Postergada ao abandono

da amarga decrepitude

És o teu próprio ataúde

retovado de tristeza.

Da passada realeza

nada, nada resta agora.

 

Mas aqui tens a penhora,

numa triste melopéia,

desta minh'alma plebéia

que abichornada soluça

e em ritual se debruça

à sombra de tua memória,

na cadência merencórea

de uma última oração.

 

Porque somente o brazão

de uma glória fenecida,

anima os restos de vida

na tua agonia presente.

Mas neste verso plangente

continuarás soberana,

pois és, garrucha aragana,

à beira da sepultura,

um símbolo da bravura

da eterna raça pampeana!