Romance do Campeador

Estanislau Robalo

 

 

Bebendo o sol de janeiro

Chapéu preto bem tapeado

Preso pelo barbicacho

Trançado de couro cru

Pedaço de sol poente

Coloreando sobre o peito

Lembrava pelo semblante

O bravo Estácio Arajú.

 

Destemido, também era

Valente... como um leão

Mui arisco no estanho

E atrevido no facão.

 

Gaudério por excelência

De seu só tinha o cavalo

E a estrada pra bater casco

Vivia cortando campos

Passando de pago em pago

Sempre bebendo lonjuras

Nos horizontes perdidos

Sob a aba do chapéu.

 

Despachado como sempre

Boleou a perna do pingo

Bem na entrada do galpão

Trazendo junto aos pessuêlos

A legenda libertária

E a fama de domador

As chilenas cantadeiras

Davam botes e dentadas

Nos flecos do tirador.

 

Na guaiáca poucas platas

A carneadeira e um nagão.

 

Deu buenas tarde a peonada

Que bombeavam desconfiados

Vendo o paisano chegar

Pediu licença ao estancieiro

Para se arranchar no galpão

E dar um alce ao estradeiro

Que já vinha bastereado

De tanto encurtar distância.

 

O poncho bem emalado

E o laço a bater-cola

Apresilhado nos tentos

Emolduravam a figura

Da velha estampa monarca.

 

O flete resfolegando,

Seguro pelo cabresto,

Ficou a li mascando o freio

E cheirando as costas do dono

Como entender as razões

Que juntaram, eles, aos dois

Pra viver traçando estradas

Sem nunca ter paradeiro,

E nem destino, afinal.

 

De pronto desencilhou

E depois de matar a sede,

Um balde d’agua no lombo

Pra lavar o suor do tostado

Al cabo soltou no campo

Pro pingo “garrar” estado

E se enfurnou no galpão

A trançar laço e bucal.

 

Se entreverou com a peonada

Em toda a lida da estância

Fez cancela, cortou lenha

E concertou aramado.

Pois quem vive em corredor

Não pode esconder parada.

 

Depois puxou um potro baio

Da crina varrendo o pasto

Palanqueou bem o ventena,

Maneou, e sentou os bastos,

E ajustou bem o bocal.

Porque tinha por capricho

Não deixar potro aporreado.

 

O índio era muito taura

E entendia do riscado

Se pegava um aporreado

Largava mascando o freio

Quando laçava um bagual

Por mais pavena que fosse

Deixava que nem um doce

Pra um aparte de rodeio.

 

Depois de quebrar o corincho

Do baio venta-rasgada

Encilhou bem o tostado

Despediu-se da peonada

E foi cumprir seu destino

Porque um gaudério e teatino

Não vive longe da estrada.