IMAGEM RURAL

Eron Vaz Mattos

 

Un cadeado na porteira

Onde um casal de forneiros

Fez a casa na retranca

Co'a porta pra'o corredor.

 

Já não há sinais de rastros,

A estrada torta apagou!

 

Há uma pedra entre os pastos

-A direita do cambão -

Que ocultava bilhetes

-Frutos de amores secretos -

Que, por atalhos de campos,

Vinham sovando badanas

Trocar mensagens sublimes

Rabiscadas com ternura

E o punho do coração.

 

No rumo da estrada antiga

Nasceram caraguatás;

E quando a a seiva da terra

Vira flor, na primavera,

Os camoatins lombo-baio

Param as asas alertas

Colhendo o pólem da vida

Para o sustento do inverno.

 

Bem mais adiante, chegando,

Um casal de quero-queros

-Armado de instinto e puas,

Corpo leve, gesto rude -

Tenaz, defende seu ninho

-De uma ovelha com cria -

Em meio à várzea do açude.

 

O palanque ainda em pé,

Como se fosse a esperança,

Tentando firmar a vida

Nas estribeiras de um sonho.

 

Num canto do para-peito,

Um cinamomo caído

-Sobre carquejas, espinhos -

O corpo inteiro abraçado

Por um amor contrariado

Co'a erva de passarinho.

A ferradura na porta

E o jasmineiro florido

Teimando em juntar abelhas

Para adoçar as colméias.

 

Sobre a orqueta da rasta,

Os restos da pipa d'água

Se escondem do tempo novo

Em meio do guanxumal.

 

Apesar da vida bruta,

Aqui morava a alegria

-Aquerenciando esperanças -

Na retidão do caráter

Da gente desses rincões;

A alma andava no rosto

-Disfarçada de sorriso -

E, nos olhares sinceros

Havia brilhos de paz

No desenho das retinas.

 

O umbu de galhos largos,

Que sombreou charlas e fletes

E o ruminar das tambeiras

Mosqueando mansas esperas

Pra'o reencontro das crias

Na lide do entardecer...

Hoje, guarda nas raízes

Abelheiras e zorrilhos,

Uma pedra-de-afiar

E um sabiá de canto triste

Nas ramas leves do alto

-Que tornam forma de céu -

Sobre o redondo da copa!

 

Parece que um canto desses

Recolheu vozes antigas

E o assovio de campeiros;

E sustenta em asas livres

-Sobre o verde destes campos -

A melodia que a vida compôs

Através do tempo

E depois, volta às origens

-Com agonia e saudade -

E se dilui no espaço

Para doer no silêncio!

 

Reses-de-osso perdidas

Sem estância, sem patrão,

Cambona, argola-de-laço,

Uma cepa-de-tamancos

E clavijas de guitarra

São testemunhos sofridos

Iguais ao rancho sumindo

-Sob o relógio da vida -

Se desenvolvendo pra'o chão.

 

A cacimba no olho d'água,

Cobriu-se de gramas claras;

Mas segue lacrimejando

E acendendo vagalumes

Num caminho de águas-puras

-Rumbeando à sanga distante

Para fazer-se lagoão

E embalar aguapés!

 

Procurando um ovo-guaxo

-Na amplidão estirada -

Uma avestruz abre o passo

Imponente e protetora

Da ninhada, já taluda,

Estendida na canhada.

 

Chego de volta à porteira

Sentindo a emoção de a pé!

 

Perco a querência dos olhos

Ao ver imagens assim:

O Rio Grande mais legítimo

Apeando do cavalo,

Deixando amargos, na soga,

Pelos varzedos de mim!

 

Quem diria que o meu pago

-Justamente no meu tempo -

Fosse espalhar nas porteiras

Esses injustos cadeados

Enferrujados de ausência!

 

O corredor se confunde

Com horizonte e distância!

 

Componho as garras, pensando,

Com cadeados no assovio!

Alço a perna, sigo a estrada

Que entre arames, se alonga

Agora entendo as razões

Pelas quais o meu sorriso

Se transformou em milongas!