RÉQUIEM PARA A CARRETA

   Egiselda Brum Charão

                                                          

Nasceu lá... no Velho Mundo

o carro de duas rodas cheias.

Rangeu na Grécia, na China,

na Índia e na Palestina...

E do Plaustrum  Romano

descende a velha carreta

trazida por Portugueses

em escunas navegantes

ao Continente Americano.

Ligava em eixo rolante

a terra do Pau-Brasil

ao nosso irmão Castelhano.

 

Em roda cheia ou raiada

tocada por aguilhada

do carreteiro paciente,

irmanava o Continente

com três juntas de ajoujados,

varando a poeira

da seca inclemente,

ou levando planchaços

de minuanos gelados.

 

Era a carreta andejante

vergando quincha ao vento

sem pouso certo ou parada...

 

Era a paciência andante

do carreteiro na estrada,

ao tranco, na lenta jornada

do Dourado e do Cabiúna

da Estância dos Lagoões

parelha que um tal Simões

deixou de herança ao presente...

 

E no Grito do Ipiranga

e Pousadas dos Carreteiros

foi a carreta resmungona

-da quincha ao assoalho-

por Pedros eternizada

Era símbolo da Independência,

era a história pintada.

Hoje...

é a saudade gravada

na retina da consciência.

 

A carreta, para a guerra

-do cabeçalho à cavilha-

foi a nau destas coxilhas...

De Capivari a Laguna

levou em carga reúna

o Seival e o Farroupilha

(os Lanchões de Garibaldi)

rangendo em pedras e barro

com dezesseis juntas quartiandu

pra... em Santa Catarina

juntar-se a David Canabarro.

 

Por volta de 93

serviu de leito da morte

de Gumercindo Saraiva.

Levando no recavém

(o Napoleão dos Pampas).

O toldo foi a mortalha,

coberta pra rude estampa

do herói morto em batalha

nas bandas do Boqueirão.

 

E até o tio Moisés

que o tal Alcydes retrata

viu a carreta ser trocada

por trens com grandes vagões...

 

E a passo e chiando eixos

se foi lerdarrona a carreta

-calma, lenta e altaneira-

pros rumos da fronteira

para o seu último pouso

na terra dos Marechais.

 

Carreteando em rezinga eterna

a Menestrel das estradas reais

foi gemendo cargas de ausências

pros pagos do nunca mais...