NEGRINHA SERAFINA

Dimas Costa

 

 Ouve Brasil esta história

Dos tempos que o negro sofria,

Nas garras da escravidão.

 

Dança, dança Serafina,

Dança negra desgraçada,

E o senhor dava risada

E a negra de-lhe dançar

 

Dança, dança quati preta,

Olha o reio Serafina,

E pobre escrava franzina

Rodopiava sem cessar.

 

Dança, dança Serafina.

Dança negra desgraçada,

E o senhor de-lhe risada

E a negra de-lhe dançar.

 

Era costume a noitinha

Sentado para descanso

Na cadeira de balanço

Sobre a fresca da varando

O senhor chamava a negra,

E austero mandava: dança!

E a pobre escrava criança,

Dava inicio na varanda.

 

E o senhor se divertia,

E ria com fúria insana

Ao ver a fantoche humana

Espetáculo singular,

Gingar o corpo, girar.

Fazer requebros, micagens.

Mil e uma bobagens,

Pra ver o senhor se alegrar.

 

Dança, dança Serafina.

Dança negra desgraçada,

E o senhor de-lhe risada

E a negra de-lhe dançar.

 

E gritava desvairado

Mandando a negra dançar,

Dança, dança Serafina,

Rodopiando a menina

E o pai baixinho chorava.

 

E uma noite,

Quando a lua sumiu

Por detrás do arvoredo,

Um vulto escuro em segredo

Saiu da escura senzala,

Tinha na mão um punhal

Feito de ponta de lança

E levava uma criança

Enroladita no pala.

 

Penetrou no silencio

Do arvoredo adormecido,

Passo firme, decidido.

Rumo ao fundo da horta

E suspirava baixinho

Com a voz entre cortada,

Ao ver-te assim desonrada

Eu prefiro ver-te morta.

 

Ao pé do grande carvalho

Depôs a carga com jeito,

Como quem faz um leito

Pra um anjo que vai dormir,

Arranjou ramos macios

Sobre as dobras da raiz,

E suspirando feliz

Chegou até a sorrir.

 

E volvendo seu olhar

Para a filha estremecida,

Uma lagrima sentida

Deixou rolar pelo rosto,

É duro mais é preciso

Repetiu com voz cortada,

És muito mais desgraça

Sofrendo tanto desgosto.

 

Neste momento o pensamento

Do pobre escravo Felício,

Relembrou odiando o vicio

Do seu malvado senhor,

E dentro da noite calma

Aos ouvidos do escravo,

Recuava o brado de agravo

Que ouvia com pavor.

 

Dança, dança Serafina.

E aquela orienta risada

E sua filha a dançar.

 

Dança, dança Serafina.

E o escravo estremeceu,

Pegou a faca e ergueu

Com fúria doida, ferina.

E baixando o braço rude,

Perdendo a luz da razão

Enterrou no coração

Da Negrinha Serafina.