VELHO PALA

Cyro Gavião

 

Entre as relíquias do pago,

Abrindo uma antiga mala,

Encontro meu velho pala,

Que trago desde chiru...

E, ao vê-lo, no meu baú,

Como perdida esperança,

Eu vou trançando a lembrança

Com tentos de couro cru.

 

Ao te ver, pala gaudério,

Simbolismo da querência,

Eu me curvo, em reverência,

Ante a mudez do teu pano...

Estandarte soberano,

Que traz a fibra da raça,

Levanta que o tempo passa,

Meu velho pala aragano!

 

Eu sinto o cheiro da terra,

Que emana desses teus flecos...

E, ao te ver, entre os tarecos,

Que me sobraram, na herança,

Eu lembro as cargas de lança

Da Epopéia Farroupilha...

Vejo Onofre, na coxilha,

Numa coluna que avança...

 

Levanta, meu velho pala,

Volta, de novo, a meus ombros!

Só vejo, agora, os escombros

Dessa épica jornada...

Embora não reste nada

- Permiti, Deus, que me zangue_

Ficaram rastos de sangue,

Nas dobras de uma canhada.

 

Levanta, pala garboso,

Neste dia de domingo!
volta às ancas do meu pingo,

Quando o minuano assobia...

Da tradição qu’eu sabia

Qu’importa não reste nada?

Vamos copar a parada,

Nas canchas da pulperia.

 

Contigo na mão canhota,

Velho pala de vicunha,

Tenho Deus, por testemunha,

Que nunca perdi parada...

Na feita, eu vinha de olada

E o jogo não era franco:

Na trança do ferro-branco,

Clavamos de “cola-atada”.

 

Oh! Quanta glória sepulta,

Na minha mente confusa.

A china foi sempre a musa,

Que acariciaste, a meu lado...

Meu velho pala bordado,

Ao te rever quase um trapo,

Me ferve o sangue farrapo,

Na comunhão do passado.

 

Desesperado, no sonho,

Da lança, firme, eu agarro.

Vejo Bento e Canabarro!

E Garibaldi, a bombordo...

Inda no sonho – recordo -

De novo, guardo meu pala.

Batendo a tampa da mala,

Num sobressalto, me acordo.