NO BOLICHO

Cristiano Ferreira

 

 


Era um bolicho,

num ranchito tosco, barreado,

no alto de um coxilhão...

pouco adiante da curva

que embicava no passo.

Recostada na fachada,

uma roda de carreta,

lembrança de um tempo

"mui" distante.

 

Um pedaço de Rio Grande,

em cada cena vivida,

naquele palco da vida...

...com personagens errantes.

 

Sim!

Era um bolicho...

perdido do tempo

e... perdido de si.

 

No "más" era assim:

balcão e prateleiras

de madeira, já judiada;

um ovelheiro enrodilhado

- bem na porta;

um gato sobre um saco de batatas

- como em eterna ressolana;

um truco que - num canto - se apresilha;

a tropa que lerdarrona se avista...

e a chuva que... quando em vez...

se aprochega;

as novas do mascate

e... cruzando,

um potro em primeiro galope.

Pendurado na parede...

um calendário desbotado,

como trazendo estampadas

as imagens destes quadros

num retrato fiel da pampa.

 

E vem a tropa pela estrada...

 

- "Êra boi... Êra!...

Olha o passo boi... passo boi...

Êra boi!... Êraaaaa!...

Boiiiii!..."

 

O ponteiro ávido de adentrar ao bolicho...

e...um brazino

..."querendo" chegar antes dele!...

 

Culatreando...

mais três tropeiros e

a barra lobuna... da chuva.

 

Silhuetas basteriadas de estrada e tempo

...passam pelo bolicho.

 

emponchado, um se achega

para buscar os vícios

e mais um pedaço de charque.

Caso desate a chover,

enchendo o passo - que é traiçoeiro -

vão ter de esperar...

e o pouco que levam...

periga faltar.

 

Numa mesinha, um truco entre duplas,

dois peões da estância lindeira,

o capataz de outra

e o mascate que "primeriou" a chuva...

E carteiam lindo, alheios a tudo,

e... cantando versos:

 

"Mil coisas faço na lida

e também sou cantador,

o jogo é parte da vida:

boto o truco na tua flor!"

 

Ressabiado pelo laçasso no jogo...

o mascate se debruça no balcão

para prosear com o bolicheiro,

que dá uma bombeada

nas notícias do povo

escritas em páginas surradas

de um velho jornal.

 

-"É, seu Mascate,

desde que aprendi a

acolherar as letras e me informar,

que esses qüeras peleiam

nas Arábias!"

 

-"Pois é, meu amigo.

Pasme! É a mesma função

que muitos anos atrás eu li

e comentei com o compadre...

- se não me falta à memória -

...numa viagem de trem.

Saiba que além de brigarem entre si,

têm outros que metem o cavalo

e mais lenha na fogueira!...

...Daqui a pouco está peleando

a Terra inteira!..."

 

-"É, essas coisas da política,

vão descambando pra piorar,

onde o bandido... se aposenta

 

e quem paga é o povo,

que é o logrado também.

O descaso é que governa

e... a injustiça... passa bem!..."

 

Três pingos no corredor...

Dois tauras amadrinham

um num potro...

...lidando pro primeiro galope.

 

Se amontoa gente na porta...

-"Vale um liso, seu bolicheiro,

se o bicho corcovear?!"

 

-"Fico com o Fidêncio,

respeitado domador...

...nunca aporreou um cavalo,

estrivado na coragem e...

em Nosso Senhor!"

 

...Num galopão

...socadito,

cruzam os três e...

...a garoa.

...O bolicheiro... sorrindo,

...que o domador é seu freguês!...

 

Sim!

Era um bolicho...

perdido do tempo

e... perdido de si.

 

Era assim...

...num tempo e lugar...

que o destino...

...apartou de mim.

 

Uma casinha de vila,

tornou-se... todo o meu cenário...

 

Saudade daquele lugar

que o presente faz distante...

Saudade... que faz sorrir e sonhar,

lembrando...

de um pedaço de Rio Grande

...em cada cena vivida,

naquele palco da vida...

...com personagens errantes!...