ÚLTIMO ATO

Colmar Pereira Duarte

 


A morte chegou de quieto,

com alpargatas farpudas

de tanto campear viventes.

 

O sol recém despontara

sobre os pastos serenados

daquele final de agosto.

 

Mateando, de frente à porta,

ia pensando recuerdos

por não ter com quem prosear.

 

A vida é um rio de esperanças

que o tempo enche de remansos

onde nadam as lembranças

quando não se sonha mais.

 

Estava assim distraído

quando ela tocou o seu ombro.

 

Quis levantar

mas tombou, soltando a cuia da mão.

A cuia rolou pra longe

deixando um rastro e um som...

A morte o deixou caído;

Quebrou a cuia do mate,

sofrenou seu coração.

 

Quando alguém chegou à porta

que emoldurava o silêncio

daquele quarto vazio,

achou o seu corpo de borco,

com o rosto contra o chão;

o chão – um tronco de angico,

ele - a casca de cigarra

deixada na mutação.

 

Morreu tal como vivera

sem aviso, sem alarde.

 

Seu último confidente

foi essa cuia de mate da manhã,

do fim de tarde,

que rolou da mão sem vida

deixando um rastro e um som...

 

Morreu tal como quisera

por gostar da solidão;

Solteiro,

sem neto ou filho

pra chorar porque se foi.

 

No velório,

só o silêncio acompanhava o balanço

da chama das duas velas

no ritual do relembrar.

 

Companheiro como poucos

nunca negava o estrivo

ou deixava um compromisso

pra um passeio

ou um serviço.

Mate pronto,

água caliente

ou de pingo pelo freio,

mas não largava na frente

sempre esperava um convite.

 

E os silêncios que ele tinha

guardados de muito tempo?

 

Daqueles que só os amigos

podem juntos desfrutar.

 

Quando as brasas dos borralhos

se acomodam para dormir,

já não chiam as cambonas

nem há causos pra contar,

cada qual com seus recuerdos

confidenciando segredos

nesse dialeto casmurro

onde a palavra é demais.

 

Dizem que o homem já nasce

com o destino traçado.

Ninguém vive por acaso

mas cumprindo uma tarefa.

Como se fosse uma peça

de um tabuleiro invisível

onde um Deus joga xadrez!

 

Como um tonto personagem

de um circo de marionetes

numa cena repetida

pela vida,

tantas vezes,

preso a uma cruz de cordões.

E a mão que nos move os passos

estabelece os fracassos

e determina as conquistas.

 

Dos marionetes artistas

este foi coadjuvante.

Passou nos palcos da vida

sem despertar atenção.

 

Acho até que foi por isso

que nunca quis se casar.

Pra não subir nesse palco

como artista principal.

 

Mas a morte entrou em cena.

 

E nesse Ato Final

o pôs no meio da sala,

com luzes ao seu redor.

 

Todos rezaram por ele.

Todos tiraram o chapéu.

E o levaram do cenário

com as flores e o caixão.

Com todos os seus silêncios

guardados para nunca mais!