ROMANCE DO DOMADOR

Colmar Pereira Duarte


Foi domador, como tantos,
mas domava como poucos.
Do berço trouxera a sina
de ginete e “saidor”;
porquê ginete se nasce
- o demais,
a vida ensina.

Nunca deixou balda ou manha
num cavalo que domasse.
E, embora até gostasse
que o potro escondendo o rastro
chairasse a língua no pasto;
ou que procurasse um jeito
de se bolcar velhaqueando,
para sair caminhando,
sem o soltar do cabresto
- jamais procurou pretexto
para exibir sua destreza.
Pois, sabia com certeza
que o que é bom
já nasce feito!

E costumava amansar
com cuidado e com paciência
- que nisso está toda a ciência
dessa arte que é domar.

Tironeava com o jeito
de quem conhece o que faz
- pois não é puxar demais
que deixa um bagual “sujeito”!

Sempre andava bem montado,
em carreirada ou rodeio,
e mostrava orgulho nisso.
Tinha pingo pra um passeio,
tinha pingo pra um serviço.
Índio sério e caprichoso
para as pilchas e os aperos;
Alegre, bom companheiro
- sempre, em qualquer circunstância-
sabia dar importância
ao menor dos compromissos.
Tinha a sorte linda e mansa,
até que a vida, passando,
cambiou seu rumo,
chamando com cincerros de esperança.

Então se alçou, a ave migratória.
Deixou os pagos, pra mudar a história,
com o destino apresilhado aos tentos.
Seu pala branco, obedecendo os ventos,
foi prolongando aquela despedida;
insinuando nesse adeus,
tão lento,
que se afastava para toda a vida.

O coração por sinuelo-
apartou-se de seu chão.
Como tantos, de outros pelos,
que até em buçais de cabelo
cabresteiam a ilusão!

Foi sofrenando a saudade
das potreadas lá de fora
e se habituou, sem demora,
aos costumes da cidade.

Tirou dos pés as esporas,
não montou mais a cavalo.
E, já no primeiro pealo
que o agarrou sem dinheiro,
foi despilchando os aperos
que, com orgulho, luzira.

E até parece mentira
que esse taura dos arreios,
que foi touro nos rodeios,
respeitado na querência,
se enredasse na cidade,
lonqueando necessidade
pra retovar a experiência.

E quando era chegada a primavera
- a passarada toda em cantoria,
entoando um hino de louvor ao dia,
como a cantar o encanto de viver-
exilado em seu rancho.

Voltava, então em sonhos,
a querência.
Cruzando o pampa imenso em florescência,
abria rumos, pisoteando orvalho.
Respondendo, outra vez, como um soldado,
ao clarim de alvorada do trabalho.
Via- ferido a cascos e arado-
sangrar fartura o pago, à sua gente,
nas cargas dos rodeios de seu gado,
nas trincheiras da terra e da semente!

Num desses momentos sentiu,
sem querer,
que um “duro de queixo” podia chorar.

Num brilho crescente de alvorescer,
as lágrimas quentes
nasciam a tremer,
vertidas mansitas de seu coração.
Qual gotas de orvalho
a rolar, cristalinas,
correndo...
estacando na ponta das folhas...
pendendo, luzindo...
pingando no chão...

Contam no pago,
que no outro dia uma silhueta avultava ao longe,
contra o clarão da aurora que surgia.

Era outra vez, a ave migratória
que despertara com a primavera;
Retornava ao rincão que Deus lhe dera
e que nunca apartara da memória.
Ia curando, já no esquecimento,
as feridas do próprio coração.

Apenas guardaria na lembrança,
Para o resto da vida, esta lição;
Aprendera nos bretes do arrabalde que o que nasce com alma de campeiro
- como a calhandra-
canta em liberdade,
mas- por gaúcho nomais-
no cativeiro vai definhando...
e morre de saudade!