REINCIDÊNCIA

Colmar Duarte

 

Amanhece sobre os campos.

A bruma que se esgarça nos banhados

E esconde as sangas

E o capim molhado,

Contrasta com o céu límpido e claro

Onde ainda cintila alguma estrela.

 

Galopeia a tropilha

Abrindo estrada no sereno gelado da coxilha.

 

Do meu galpão

-humilde enfumaçado-

olho em silêncio

e me parece um sonho;

e a tropilha

que vem em disparada,

a ilusão que chega, inda molhada,

escapando das águas na procela

onde o mar engoliu as caravelas

do tal Juan e Solis,

em Maldonado.

 

E o campeiro

Que aventura na culatra

Como um centauro contra a luz da aurora!

 

(Sob tal sortilégio de magia

imobilizo a cena em uma tela.

Juan Manoel Blanes, reconheço agora

Nesses matizes do nascer do dia.)

Por certo tiarajú

-lunar na testa-

tentando proteger o que nos resta,

do instinto predador do bandeirante.

 

Lembro os paióis

Das safras missioneiras

Enchendo a boca de gordas algibeiras

Na rota natural de São Vicente.

E os nativos da terra

Novamente

 

Mãos amarradas, gritos sufocados

A mercê da extorsão legalizada.

Retorno à realidade.

É outro tempo.

Dois séculos depois há outra gente.

Não há mais Tiarajú

Nem São Vicente.

Somos celeiro de um país com fome.

Carne, lã, trigo, arroz que se consome

Brotam dos campos

Roças e cercados.

 

A tropa de Solis multiplicada,

Cantada em prosa e verso sua glória,

Virou bronze na praça,

Fez história

Foi dignificada no trabalho.

 

A gadaria alçada e orelhana

Deu lugar aos rebanhos das cabanhas

Que abastecem país e continente.

Mas nem tudo mudou

Neste meu pago.

Os nativos da terra

Estão iguais.

 

Mãos amarradas,

Mudos,

Extorquidos;

A esperar os retornos

Prometidos

Aos avós dos avós de nossos pais.

 

Falta esse taura

De lunar na testa,

Falta quem fale alto e com entono

Pra defender aquilo que nos resta,

Pra mostrar

Que “esta terra inda tem dono”