POR ISSO CANTO, TALVEZ

Colmar Duarte

 


Aprendi a montar com um charrua.

Moldou-me o sentimento lusitano

e este porte, altivo e soberano

foi herança do homem andaluz.

Na noite pampa, imensa e misteriosa,

aprendi a buscar os pensamentos

e a solidão, parceira e silenciosa

ensinou-me a canção que silva o vento.

 

Na vastidão tranqüila das planuras,

a inquietude de andar buscando a vida,

na conquista total de continente

e tantas vezes levei de vencida,

tudo que se interpôs na minha frente,

que hoje, posso ostentar como uma palma,

toda a força que vibra em minh’alma

moldada em liberdades como os ventos...

 

... changador, gaudério, enfim gaúcho!

Fui um centauro. Esvaziei minhas veias

no holocausto de todas as peleias

onde foi necessário pelejar.

Hoje é tempo de paz,

por isso canto, meu irmão,

nesta terra que amo tanto

na esperança de que saibas me escutar.

 

Não importa se entendes o meu canto,

se me escutas, me dou por satisfeito...

As calhandras que trago no peito

não nasceram pra viver como “caturras”

repetindo, no mais, se lhes ensinam,

falam a voz do pago quando trinam

e voam... livres...

mesmo contra os ventos.

 

Cresci a enraizar meus sentimentos

nesta terra de glórias e legendas.

Pulsa no meu sangue o malho das contendas

que moldou nossa raça nas coxilhas.

 

Vibram em mim, violas andarilhas

egressas dos fogões de acampamentos,

trago nos olhos, luz de encantamentos,

de enterros, boitatás e salamancas.

 

Não importa se gostas do que canto,

se me escutas, me dou por satisfeito.

Sinto que anda dormindo no teu peito

o atavismo da “raça” de que és cria,

pois nesta decantada rebeldia de jovem

que este tempo altivo fez,

talvez exista muito mais da altivez

dos sepés, que morreram por ser livres

defendendo esta terra onde tu vives

da sede de conquista de outras gentes.

 

E nesta estampa, de barba e melenas,

a desatar as convenções vigentes,

talvez, o inconformismo dos valentes

que de barba e melenas,

mas com ideal na mente e as roupas em trapos,

pelearam e morreram como bravos,

para que aqui, jamais fossem escravos

os descendentes de ancestrais farrapos.

 

E a roupa colorida, a fantasia talvez

repartem com fidelidade,

toda a pureza e toda a ingenuidade da alma

que o charrua possuía.

 

Se canto diferente, meu amigo,

tenho certeza, nos entenderemos,

pois são parceiras as razões que temos

e um só pensamento nos anima:

Paz e amor, um sonho de igualdade,

cantar, amar, viver em liberdade...

A minha alma é tão igual a tua,

tens rebeldia de sepé mais guapo,

o inconformismo altivo do “farrapo”

e a ingênua pureza do “charrua”....