HISTÓRIA ANTIGA

Colmar Duarte

Intérprete: Pedro Júnior da Fontoura

Amadrinhador: Leonardo Charrua

Poema participante da 12ª Sesmaria da Poesia Gaúcha

 

 

Seu pai fora bolicheiro.

 

Por essas razões da vida

Que até mesmo quem mais sabe

 Pouco consegue entender,

Depois de andar de agregado

Lavrando campos alheios,

Plantando pra não colher,

Fora virar bolicheiro

- com o que sobrara das secas,

Mais a mulher e os guris.

 

Embora homem de bem,

Se vira, mais de uma vez,

Às voltas co’a autoridade;

Diz que por contraventor.

É que coimeava uns carteados

(truco, golfo, primeira

e até o solo era jogado

nos dias que os mais sabidos

se juntavam pra carpeta!)

Lá pra os fundos do bolicho

Fazia rinha de galos

E também jogo do osso.

Até que um mala-cabeça,

Revolvero e calavera,

Foi xarqueado numa briga.

O bolicheiro – coitado! –

Esteve até atrás das grades,

Pra desgosto do guri.

 

Por isso, não entendia,

Embora o pai explicasse;

Parece que os homens nascem

Com seus destinos traçados.

Uns pra serem delegados,

Outros pra andarem proscritos.

Quem manda leva no grito,

Que ouve não tem razão,

Vai por diante – por mais potro.

Se – como dizem os demais –

Nós somos todos iguais...

Tem uns mais iguais que os outros!

 

Ficou moço, olhando estranhos,

Cotovelando o balcão.

Se fez homem, isolado

Nesse oásis do bolicho,

No fim do brete deserto,

Onde buscavam consolo

Os deserdados da sorte.

Onde peonada de estâncias

E tropeiros, de passada,

Esvaziavam as guaiacas

Pra estufar as algibeiras

E abastecer às bruacas.

 

Conhecia, como poucos,

A alma daquela gente.

Pois, um balcão de bolicho

É um xucro confessionário

Onde uns tragos de cachaça

Fazem um maula se ajoelhar,

Mostrando a alma contrita

E até o mais venta-rasgada

Frouxa o lombo, e se desarma

Pra chorar suas desditas.

 

Entendia, de sobejo,

As razões e os desenganos

De quem nasce despilchado;

Cresce para ser mandado,

Vive pisoteando estradas,

Morre sem deixar saudade.

 

Por isso arriscavam os cobres

Na tava ou numa carpeta

Quem sabe? Largando a jeta

Ficariam menos pobres.

Mas, cuê putcha! Até no jogo

Só ganha quem não precisa!

Quem joga a própria camisa,

Pula d’água... cai no fogo!

Ali mesmo, no bolicho,

Acontecera este fato.

Entre as linhas do relato

Vê-se a velha diferença,

Que, mais do que a gente pensa,

Se repete na memória.

Talvez outros personagens,

Outro céu, outra paisagem...

Mas, no fundo, a mesma história.

 

Se encontraram, por acaso,

Num dia de carreirada.

E, como sempre acontece,

O amor, quando aparece,

Não cuida da conseqüência.

Ele – pobre e sem querência.

Ela – filha de estancieiro.

O sonho é mau conselheiro

E a razão não tem valia

Para um coração amante;

É luz da estrela distante

Que morre ao nascer do dia.

 

Cercado pela milícia

Recebeu foz de prisão!

Seu amante coração

Nem pensou morrer peleando.

Entregou-se. Nada disse

Contestando a acusação.

Foi preso por insolente,

A mando do delegado!

 

Não vê que – desaforado! –

À vista de toda gente,

Esbarrou seu redomão

E, como prova de amor,

Ofereceu uma flor

À filha do seu patrão...

 

No registro da ocorrência

Ficou assim lavrado:

“O maula foi degolado

Por resistir à prisão.”