CHERETÃ II

Colmar Pereira Duarte

 


Se a terra tinha dono

E se foi dito ou não, por tiaraju,

A quem bania os índios

Pra dividir a posse deste chão.

Que importa a tradução desse seu grito?

Importa o grito contra a opressão.

 

“Eram armas de Castela”

Que vinham do mar de além

De Portugal também vinham,

Dizendo, por nosso bem:

Mas quem faz gemer a terra

Em nome da paz não vem.

 

Há feridas que o tempo cicatriza,

Outras, que a história enterra, esconde, apaga,

Quem – Por não aceitar outro destino-

Foi condenado á morte e ao extermínio

Sob o fogo dos canhões morreu sem glória;

Pois é quem mata quem escreve a história!

 

E, hoje, pergunta o menos avisado:

-Qual o legado Guarani que existe

Incorporado à nossa cultura?

 O quê, além das ruínas missioneiras,

Sobrou para lembrar esses nativos

Que ousaram enfrentar duas bandeiras,

Querendo a terra que entendiam suas.

 

Que mais restou para lembrar o idioma

-Que faz da Pátria e sua identidade-

A não ser, nome de arroios e rios,

Batizados por eles, não cambiados,

Pelos nomes de santos, como tantos?

Uruguai, Ibicuí, Inhãporã, Quarai, Japejú, Ibirocaí.

Apesar do homem branco e dos seus tratos,

São artérias na carne desta terra,

Mesclando com as águas das nascentes

O sangue do holocausto de inocentes

E as lágrimas dos órfãos dessa guerra!

 

“Eram armas de Castela,

que vieram do mar de além.”

Já traziam decidido o que pertencia a quem.

Afinal, nas caravelas,

Vinha a civilização.

Nativos e sua cultura

Não importavam a ninguém.

“De Portugal também vinham,

dizendo, por nosso bem”.

Bacamartes e canhões

Davam o inferno pros índios,

Enquanto as duas coroas

Mediavam o paraíso

-troféu aos sábios, que sabem

que navegar é preciso.

 

Sepé peleou contra isso,

Viu seu povo dizimado,

Submetido ao martírio,

Nos canhões de Gomes Freire,

Na espada de Valdelírios.

 

Quem viveu de perto a história,

Em louvor à sua memória,

Faz santo o índio guerreiro.

Seu sangue corre altaneiro

Nas veias da gauchada;

Na risada escancarada,

Nos gritos de rebeldia;

No sopro da ventania,

Que a ânsia de liberdade;

Na herança dessa etnia

Que miscigenou a raça;

Na erva mate, que passa,

De mão em mão,amizade;

Sinal de hospitalidade,

Por onde o gaudério ande

-pelo guarani legado-

Hoje é símbolo, estampado,

Na bandeira do Rio Grande!

 

Glória aos que, mesmo sem armas,

Desfraldaram sua bandeira;

Trazendo à luz verdadeira,

Como única premissa,

Esse brado comovente;

É o sangue dos inocentes

Pedindo à história!