A LANÇA DE ÉBANO

Colmar Pereira Duarte

(1º Querência da Poesia Gaúcha – 3º Lugar Poesia)

 

Conto como me contaram,

vendo assim como comprei.

Aqui vai tudo o que sei

- misto de lenda e de história –

guardado pela memória,

vivido por gente antiga,

sabido por pouca gente.

 

Dizem que, muito em segredo,

às vésperas de um combate,

Bento Manoel foi ao cerro

em busca da Teiniaguá.

Não sei se a troco de nada,

a princesa enfeitiçada

deu-lhe a lança e o poder.

Com essa arma na mão

fazia a terra tremer,

punha em fuga o inimigo.

 

Mais batalhas,

mais vitórias!

E a sorte, sempre consigo.

 

Negra, como a Salamanca,

é a sua haste de ébano.

Madeira que não se encontra,

não se corta nem se arranca

nem por cem léguas de mato.

 

É misteriosa, de fato,

a procedência da lança!

Sua ponteira de prata

diz que, durante as batalhas

- magia ou coisa que o valha –

brilhava como um luzeiro.

E  Bento Manoel Ribeiro,

bafejado pela sorte

- corpo fechado pra morte –

nunca mais foi derrotado.

 

Mas houve um dia, marcado

pela lenda e pela história.

 

Era o ano vinte e cinco

de um século de três guerras

- campanhas da Cisplatina,

Farroupilha e Paraguai.

Manhã de um doze de outubro,

coxilhas de Sarandi,

terra de campos neutrais.

Com Lavalleja e Rivera

à frente dos orientais,

dois exércitos inteiros

cercaram Manoel Ribeiro,

com dobro de arma e gente.

 

Resistia bravamente

comandando seus guerreiros

quando o flete que montava

tombou ferido de morte.

Ficara à mercê e à sorte

das lanças dos castelhanos.

 

Mas, num lance inusitado,

Osório, que era soldado

nessa tropa de fronteira,

investe sobre o inimigo.

E na garupa do pingo

tira dali o comandante!

 

Depois da paz Cisplatina,

já na Guerra dos Farrapos,

Bento largou as guerrilhas

- imperiais ou farroupilhas,

pois peleara dos dois lados

tendo seus feitos gravados

nos anais da nossa história.

 

E, ao retirar-se das lutas,

em gratidão ao amigo

que lhe garantira a vida

naquele doze de outubro

guardado em suas memórias,

deu a Manoel Luiz Osório

a lança jamais vencida!

 

Quis o destino que, adiante,

fosse Osório o comandante

na guerra contra Solano.

 

Marchando assim soberano

à frente dos brasileiros

-em Morón, Monte Caseros,

Itororó, Tuiuti –

foi um El Cid daqui

comandando seus soldados.

E em sua mão, como um signo

a marcar cada vitória,

levava a lança de ébano

e o segredo de sua história!

 

Foi assim que ouvi contar

e foi assim que entendi.

Por isso eu deixo aqui,

este épico relato.

Pois o destino da gente

não é traçado somente

por datas, planos e fatos.

 

Para que a si mesmo entenda

e aos outros possa entender,

é preciso conhecer

o mito, a história e a lenda.