Réquiem Para os Dias de Ontem

Cláudio Silveira

 

O horizonte de um cogotilho,

se moldava mansamente,

a preceito...(tempranito)...

Entre as folhas templadas da “Corneta” antiga,

amorenada e gasta das safras comparseras

de outras eras...

 

...Sob a mesma fronte altiva,

donde meu avô já tosava,

fletes de lei, afamados parelheiros

e redomões espumando o bocal...

 

O mate,

já ficara recostado,

entre a ponta do pai-de-fogo

e a cambona retirada...

...Lavado de lembranças...

que sempre alongam

estas horas sagradas

de um matear solito...

 

...Puxei a montaria

ao portal do galpão antigo...

E com calma, “arrastei as garras”

e encilhei...

 

De já hoje... remembrei

que aqui, nesta frente de galpão,

campeiros tantos repisaram rastros,

encilharam ventenas

(baguais mais veiacos

que já pisaram esta terra colorada)

Homens de honra e fio de bigode,

Vaqueanaços de pealos e de apartes...

Rudes semblantes resenhados

sob as sombras arcanas

das abas curtidas de seus sombreros...

...com sulcos do tempo lavrados na tez...

 

Mas pr’onde foram?!...

Além da linha do horizonte?...

...O silêncio,

que hoje habita este galpão,

é a voz que me responde:

...trastes emudecidos...

...garras ressequidas...

...ferros enferrujados...

Rebenques brabos, açoitando pelos vazios,

as penas e ausências que aqui ficaram...

...No chão não há mais

seus rastros sobre outros rastros...

Mas é como se meus olhos

enxergassem novamente...

campeiros dias que aqui passaram...

Perfis medievais, que terceavam embates

pelas arenas das mangueiras

e pelados de rodeio...

Que emolduravam-se pelos quadros das porteiras,

com florões de estampa...

...Não povoam mais do que

pálidos e arcaicos retratos,

prisioneiros das paredes...

condenados pelo esquecimento...

 

... Os cernes perenes de cada esteio,

são mudas testemunhas a vigiar

almas que vagueiam pelo ermo em forma de pó,

a transcender as frinchas

de onde o sol espia com olhar ruano

de ascender o dia...

...As pedras grandes de assoalho,

ainda guardam marcas de cascos,

riscos de cornaços e máculas de sangue

d’alguma sutura barbaresca

feita por instintivas mãos campechanas...

 

Depois que dependurei o laço aos tentos,

abri a cancela,

e da mesma forma em que alçavam perna

(da volta mais certa), montei e saí ao tranco...

...bem despacito...

Ouvindo um duo de espinhos garroneiros

e uma barbela que bailava

num atirar disposto de freio...

Mirando campos

– o cerrar do sobreano na novilhada -

entre as orelhas do meu “trono”

envolto em pelo tordilho

(toda confiança de cincha e pata)

...Lentamente...

Porque hoje, Senhores,

se possível não galopo,

que é pro tempo não passar tão de pressa...

 

Pois aprendi que somos “tropa” nesta vida,

e o amanhã é quem chama, ponteando a marcha,

rumbeando ao “mais adiante”(sempre falha),

com ilusões por sinuêlo...

 

 

Depois da reculuta de recuerdos,

segui silente, remoendo aço

da mais bruta das certezas que me enfrena:

de não poder voltear os meus próprios dias...

 

...Mas resta uma pergunta que não cala:

-          Pra onde foram?...

 

Talvez andem

pelos brilhos chispiantes

das rosetas estreleras

ao poncho negro da noite...

ou... quem sabe,

pelos meus mates solitos, ainda vivos,

guardados em mim mesmo...