QUILOMBO DO MORRO ALTO

Carlos Omar Villela Gomes

 

Não me digam que sou negra de alma branca,

Pois minha alma tem a cor que eu mesma ostento!

Negra minha pele, sim senhores,

Negra minha alma, com orgulho!

 

Me pergunto com ponta de amargura:

Por que sou menos por ter pele escura?

 

A terra avó ainda soa

Na voz de um velho africano,

Lembrando histórias do Congo,

Que segue vivo além-mar.

Tambores, tantos tambores,

Insistem em retumbar...

 

Fui morrendo nesta terra sem viver,

Trago o peso dos grilhões e preconceitos...

Escravidão ardendo no meu peito

E o coração finando seu querer.

Mas veio das lonjuras do meu ser

Uma paixão que me tomou de assalto

E junto aos meus, aqui no Morro Alto,

Depois de morta pude renascer.

 

O vento ruge aqui perto,

Tão forte quanto o meu peito

Ruge ao clamar liberdade...

O futuro é um céu aberto

Pra que as asas do respeito

Possam bater de verdade.

 

Sou gente deste quilombo

Sou um dos que ainda vivem

Das sobras da escravidão;

As marcas das chibatas sangram

Na pele negra do meu coração.

 

Meu ventre incha aos poucos, hesitante...

A vida vem mostrar o seu poder;

Mas nem a escravidão nem as correntes

Alcançam esta vida a florescer.

 

Meu filho nascerá neste quilombo...

O sol dourando o morro lembra o Congo

E faz o meu olhar ganhar lonjuras;

Ao mesmo tempo vem no coração

A minha eterna interrogação:

Por que sou menos por ter pele escura?

 

Ou talvez quem me julga se condena

Com pele branca e alma tão pequena

Pois seus olhos não conseguem enxergar,

Que pudemos ser escravos algum dia

Mas com ou sem terras e cartas de alforria,

Nós somos livres, muito além deste lugar!

 

Eu sonho através das eras,

Pra mais de um século já...

Um futuro de igualdade

Muito mais que liberdade...

Futuro de identidade...

Esse futuro virá?

 

Mesmo depois de meu filho...

Mesmo depois de meu neto

Virá um tempo onde meu povo

Não precise compaixão?

Seguindo de fronte erguida,

Sem golpes da sociedade...

Andando com as próprias pernas,

Criando com as próprias mãos?

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Será que a dor do quilombo,

De tantos talhos e tombos,

Encontrará redenção?

Será que a sina do negro

Encontrará algum sossego

Num tempo sem privação?

 

A indagação ressoa em minhas agruras:

Por que sou menos por ter pele escura?

 

Essa pergunta nunca vai calar?

O preconceito nunca vai calar?

 

Eu sonho através das eras,

Pra mais de um século já...

Peles negras, almas negras,

No ventre deste quilombo

Lavrando sua própria terra,

Colhendo sua própria paz...

Um futuro de igualdade

Muito mais que liberdade;

Futuro de identidade...

Esse futuro virá?