OLHOS NEGROS

Carlos Omar Villela Gomes


Passo a passo, tento a tento,
A vida segue seu tranco
Pelos fundões desses campos
Que São Pedro apadrinhou...

O tempo passa de manso,
Os homens passam depressa,
Mas a história fica impressa
No itinerário do pampa;
Às vezes escrito a suor,
Às vezes escrito a sangue...
Sangue nosso, sangue quente
Que a história derramou.

Onde ficou a verdade
Nessas incertas volteadas
Que a saga humana trilhou?

Onde ficou a ternura,
O sonho de liberdade?
Talvez tenham se extraviado
Nos labirintos de morte
Que o fio da espada criou.

Os homens seguem cegos seus caminhos
Os fins justificando meios vis...
A morte a engordar seus pergaminhos
E os meios nos levando rumo ao fim.

Mas, num misto piedade e revolta,
Dois
olhos negros miram de longe,
Sem ninguém notar...
Acima dos montes, além das cumeeiras,
Das copas frondosas das grandes figueiras,
Dois olhos contemplam, buscando entender:

"Já faz tanto tempo..."

"- As sangas tão puras, os rios, as vertentes,
Os peixes, as flores, o cio das sementes
Brotando da terra num rito de paz...
Um pampa tão vasto, um solo tão fértil,
A enxada na terra plantando o sustento,
A vida brotando na luz de um rebento
E os homens unidos por seus ideais."

"- As aves planando, a chuva caindo,
O sol despontando, pessoas sorrindo,
O vento soprando mensagens benditas
Nos ranchos das vilas, no fundo dos campos...
A noite luzindo por seus pirilampos
O dia abençoando as coxilhas de luz"

"- Onde está esse mundo que sonhei?
Onde estão a pureza e o amor?
Será que sucumbiram no veneno das águas?
Será que murcharam na agonia das flores?
Talvez tenham partido no suplício dos ventos
Que ecoam tristezas e soluços de dor..."

"Talvez o tempo dos homens
Não tenha mais luz que suas próprias ações...
Talvez as suas pegadas
se encontrem marcadas na frieza dos seus corações"

"- A terra, gemendo a solidão da enxada,
Campeiros, entregues ao rigor das vilas;
Velhos morrendo na ilusão das filas,
Os índios, atirados nos beirais da estrada..."

"O homem teve arbítrio e impiedade
Ao riscar os seus mapas e verdades...
A frieza de impor a sua vontade,
A maldade de pisar nos seus iguais.
Nos rastros desse povo retirante
A realidade crua dita os traços...
Em cada rosto uma feição de sombras
Vagando cega, entre os temporais."

Densos, profundos feito a madrugada,
Dois olhos negros se quedam a chorar...

Mas, o que se vislumbra além do cerro,
Além do temporal, da cerração?
O que floresce luz e liberdade
Além do ventre vil da escuridão?

Dois olhos negros antes tristes, turvos,
Se inundam de doçura e esperança,
Mirando os lábios de um sol de primavera
Beijarem um semblante de criança.

Era a chave, a razão, o elo perdido,
Surgindo na inocência de um menino...
Era o avesso das dores sem sentido,
Era a ternura sufocando os desatinos.
O homem pode recriar o seu destino,
Basta vontade e coragem de tentar...
Pois cada um tem o direito de buscar
A mesma paz do coração dos pequeninos.

E o tempo segue, ao dobrar dos sinos...

Dois olhos negros seguem na vigília
Além do manto destas sesmarias,
Com profundezas de encantar os dias
E prantos doces de inundar coxilhas.

A esperança é um anjo que flutua
Calando a solidão da noite escura...
Está no moço, que sonhou nas ruas,
Está em dois olhos, muito além da lua.

Dois olhos negros, plenos de ternura
Feito a criança que o sol beijou!!!