E A TERRA NÃO ESQUECEU

Carlos O. Villela Gomes

 

Sob meus pés o silêncio,           

Sobe meus pés o destino

De gerações estraviadas

Pelas pateadas do tempo .

Sob meus pés a verdade,

Toda a verdade de um povo

Que procurou sobre a terra

Seus sonhos de liberdade.

 

A terra chorou baixinho

Dores bem mais que profundas...

A terra guardou lembranças

Que jamais pôde apagar.

Sob meus pés, desatinos

De campos largos e rubros...

Sob meus pés as histórias

Que o homem tenta negar.

 

E a terra não esqueceu

A dor de um tempo sem Deus.

 

A terra tem cicatrizes...

Mapas de uma geografia

Que certamente não foi

Traçada por mão de Deus

Foi traçada pelas armas,

Bem empunhadas por feras

Que pelo correr das eras

Ditaram rumos e leis.

 

E desenharam fronteiras

Num pampa sem alambrados...

E dominaram a terra

Com estâncias e povoados.

Catequizaram o índio

E suas xucras razões...

Com sete cruzes ergueram

Sete povos das missões.

 

Depois golpearam sem dó,

Reduzindo o sangue em pó

O sonho das reduções.

 

A terra lembra piquetes

De imponentes coronéis...

Inventando itinerários

Em seus garbosos corcéis.

Tantos galões, tantas glórias,

Tanta paixão e vitórias

Que escreveram a história

Nos mais vistosos papéis.

 

Pena que a pena que escreve a história

Seja regida pelas mãos sem pena

Dos que comandam os canhões e réis.

 

E a terra não esqueceu

A dor de um tempo sem Deus.

 

E são patas de cavalos,

E são palas retalhados...

A sina vira ferida

E o puro vira pecado.

A terra bebe do sangue

Mesmo repugnando o gosto...

As feras matam a sede

E a vida perde seu posto

 

Já não palpita de pureza a terra santa

De tanto o homem macular seu relicário;

São tantas almas extraviadas do inventário

De tantas guerras e barbáries pelo pampa.

 

Quando a razão já não floresce da garganta

E então desperta o furor do coração,

É rio de lava que incandesce pelas veias

E faz da morte sua maior erupção.

 

A terra engasga, soluça...

Cada golpe, cada corte

É uma semente sem vida

Que se planta, num ritual.

Idéias, brasões, motivos,

Todos tem, todos sustentam...

Um a um, todos inventam

Mil razões pra o próprio mal.


 

A terra chora de dor...

De todo o sangue jorrado

Na história do nosso Estado

A terra sabe o sabor.


 

Os talhos recebidos pela terra

Remendam, mas jamais se apagarão...

Em cada  cicatriz há uma lembrança

Do homem massacrando seus irmãos.

 

A terra não esqueceu

A dor de um tempo sem Deus.

 

Sob meus pés, desalentas

E as formas de uma inscrição

Que conta a história do chão

No triste idioma dos ventos.

 

Mas o que surge das cinzas

Quando as tristezas se vão

E aviva a alma de um povo

Que ainda sonha demais?

O que resurge luzindo

Do fundo da escuridão

Trazendo lições de vida

De seus turvos memórias?

 

É a própria terra senhores!

É a terra, que se refaz,

Clamando em suas cicatrizes.

Que a história não se eternize

A sete palmos da paz!