DESAMOR

Carlos Omar Villela Gomes

O desamor se derramou em meu olhar...
Gota a gota, afogou o que era belo
E eu finei na torre alta de um castelo
Que, sem base, foi criado pra afundar.

 

Eu me vi, já sem crença nem altar,
Praguejando mil lamúrias para Deus...
Se é tão forte, porque não cuidou dos meus?
Se é tão grande, me dê fé pra acreditar!

 

O desamor inundou silêncios
Que gritavam tanto...
Contracanto de uma voz
Que murmurou meu nome...
Me fez pó no corredor
Campeando os arrabaldes...
A seguir uma esperança
Que morreu de fome!

 

Lá me fui...
Cada passo era um espinho
Cutucando a alma nessa estrada...
Logo atrás, a miséria escancarada,
Logo à frente a incerteza dos caminhos.
Me acheguei, me arranchei, chorei baixinho,
Fiz faxina, capinei, catei papel...
Girando nesse estranho carrossel
Que os homens batizaram de destino.

 

Olhava meu marido, cabisbaixo
Tenteando qualquer bico, qualquer changa...
Um taura se perdendo por borracho,
Um livre se sentindo um boi de canga.

 

Meu filho, que largou o seu petiço,
Ganhou nesse caminho choro e medo...
Chinelo vagabundo entre seus dedos,
Um pária, sem saber o que era isso.
Na infância, a cidade deu sumiço,
Dos planos, a miséria fez retalhos...
Enquanto eu me estropiava no trabalho,
A sina lhe mostrou a dor e o vício.

 

O desamor chegou, com outra cara,
Regado de violência e de fumaça...
Entre as armas das mãos que desamparam
Beijou-lhe com sua boca de desgraça!

 

Na pedra colocada num cachimbo
Perdeu-se minha razão do amor materno...
E quem há tempos freqüentava o limbo,
Caiu no poço ácido do inferno.

 

Eu suei muito, doutor,
Pra ter arroz e feijão...
Um rádio clareando as noites
E tantos calos nas mãos;
Na sina medonha e lerda
Até o rádio ficou mudo...
Pois meu filho vendeu tudo
Para comprar outra pedra.

 

Eu chorei muito, doutor,
Até o choro que eu não tinha...
Conversei, aconselhei
Sobre essa praga mesquinha.
Falei do bem e do mal,
De um mundo que afia os dentes...
E o que torna diferente
Um homem de um animal.

 

Eu morri, ressuscitei,
Buscando forças, nem sei...
Pra lhe mostrar seu valor;
Xinguei, bati, apanhei,
Um dia o acorrentei...
Ah, quantas chagas sangrei
Nas garras do desamor!

 

Mas ele sempre fugia...
Ganhava a rua, mentia,
Assim se foi mês a mês...
Quem corria cancha reta
Hoje rouba bicicleta
Para fumar outra vez!

 

Então, de novo o destino,
De novo a droga covarde,
Extraviou meu menino
Pra o desconsolo das grades.

 

Antes a míngua do campo
Que ver meu sonho sumindo...
Antes morresse parindo
Que ver meu filho assim;
Alma e corpo ressequidos,
Seguindo o rumo dos maulas...
Um bicho dentro da jaula
Olhando triste pra mim.

 

Onde eu errei seu doutor?
Talvez por ser preta e pobre?
Talvez por campear os cobres
Num mundo corcoveador?
Onde eu errei seu doutor?
Onde eu encontro a saída?
Existe um resto de vida
Na tumba do desamor?