CABRIÚVA

Carlos Omar Vilela Gomes

 

O vento vil não me verga

Nem quebra a fibra da estampa

Que o lombo forte do pampa

Um dia viu florescer;

Não me derrubam tormentas

Em seus laçaços de chuva...

Sou cerne, sou cabriúva

Com cismas de amanhecer.

 

O vento vil não soluça

As coisas que eu solucei...

Desde o começo firmei

Raízes no mesmo chão;

Por vezes sou solidão,

Por outras, asas e ninhos,

Brotando dos passarinhos

Que moram no meu violão!

 

Lonjuras, ah, lonjuras que me miram

No fundo desta biboca que insisto em chamar querência!

Parecem dizer da minha sede,

Parecem zombar da minha fome...

Ah, lonjuras que me miram

Com a mesma fúria dos homens!

 

Tem homem que é corunilha,

Forte, guapo e espinhento...

Por desconfiado não mostra

A luz do seu fundamento.

É valente, resistente,

Mas sofre por ser sozinho...

Pois afastou sua gente

Com seus puaços e espinhos!

 

Tem índio que é uma figueira...

Tem sempre os braços abertos

Pra acolher em sua sombra

Quem vaga em rumos desertos!

Firma as raízes no chão

Buscando o fundo mais fundo...

E quanto mais se enraíza

Mais abre os olhos pra o mundo!

 

Tem uns que são cambará...

São meio tortos de tronco

Mas apegados na terra!

Uns outros são tarumã...

Copa frondosa na paz...

Fruto e sustento na guerra!

 

Uns outros são cinamomo...

Oferecem boa sombra,

E os frutos, que alguns desprezam,

Pra quem sabe, tem valia;

Mais alguns são aroeira,

Pois passam a vida inteira,

Em sua sina traiçoeira,

Sem saber se é noite ou dia.

 

Tem uns que se vão ao mundo...

Se perdem pelo caminho

E voltam de alma cansada,

Mais seca que nó de pinho!

 

São espinilhos, angicos...

Tem homem de todo jeito!

Pois todo homem é a soma

De virtudes e defeitos;

Almas claras, almas turvas...

Eu mesmo sou cabriúva

Pelo que trago no peito!

 

Sou cabriúva senhores!

Casca bruta e ramos toscos

Pra enfrentar as mazelas

Que massacram o meu povo!

Mas quando amainam queixumes,

No cerne tenho perfumes

Pra o mais bonito dos sonhos!

 

Sou cabriúva plantada

No ventre dessa inconstância,

D’onde assisto à distância

O cruzar de tantas luas;

Se a vida ofende, me entono,

Retovado em casca bruta...

Mas quando termina a luta

Perfumo a noite xirua.

 

Por isso sou cabriúva,

Casca grossa, alma em perfume...

Criando meu próprio lume

Entre os clarões da existência;

Sorvendo a vida na essência

Que a própria vida provoca...

No fundo desta biboca

Que insisto em chamar querência!