A MINHA ALMA SE AFOGOU NO RIO

Carlos Omar Villela Gomes



A minha alma se afogou no rio... 
Peço desculpas se não convidei 
Os amigos pra o funeral, 
Mas foi tudo muito rápido, brutal, 
E não tive tempo pras formalidades 
Que exigia a gravidade da ocasião. 

Minha alma se jogou de mim, 
Feito quem se livra de um estorvo... 

Será por minha cara judiada? 
Será pelo meu corpo estropiado 
Ou por este olhar sem horizonte 
Que me faz o semblante tão cansado? 

Será que não quis ver suas pandorgas 
Subindo rumo a um céu tão desbotado? 

Será que preferiu as correntezas 
À mansidão de um poço sem futuro? 
Sem medo de perigos e incertezas, 
Qual pedra que se vai às profundezas 
Minha alma mergulhou no rio escuro. 

Talvez seja pelo meu ofício... 

Talvez tenha cansado de espinhéis, 
De tarrafas, chalanas e de anzóis... 
Talvez tenha bebido tantos sóis, 
Até não saber mais, perder a conta, 
Sem entender que a vida é uma linhada 
Onde a sorte nos tenteia na outra ponta. 

A minha alma se jogou de mim... 

Talvez seja pelo rancho tosco, 
Pelo catre rude, pela bóia igual... 
Talvez seja pelas roupas gastas, 
Pelo cusco magro, pelo mate frio... 
Talvez por se julgar maior que eu 
A minha alma se afogou no rio. 

Minha alma se afogou, foi sem anúncio, 
Sem participação, comunicado... 
Não avisou amigos nem amores, 
Não avisou sequer a mim do fato... 
Quando me vi, estava abandonado, 
Só me restando um vulto... ...e o relato. 

A minha alma se afogou no rio, 
Não encontrei sequer restos mortais; 
Apenas, num suspiro, se esvaiu... 
Um barco naufragado que sumiu, 
Fazendo desse rio seu nunca mais. 

Talvez seja pela cruz plantada, 
Pelo rosto moço num retrato antigo... 
Talvez seja pelas esperanças 
Que se amiudaram nos estios da vida. 

Talvez pelos combates, dia a dia, 
Minha alma implorasse parceria 
E eu, cansado demais, não soube ouvir... 
Quem sabe ao afundar por essas águas, 
Quisesse minha mão para salvá-la... 
A mão que, sem razão, não estendi. 

A minha alma se afogou no rio... 

Talvez querendo um beijo das estrelas 
Que pintavam de luz as corredeiras, 
Minha alma, sedenta, se jogou; 
Quem sabe, sem querer, se confundiu, 
Pois via nas funduras desse rio 
Apenas um espelho do que sou... 

...Ou talvez o rio seja a liberdade 
Que a minha alma, em mim, não encontrou!