DOS TENTOS TRANÇADOS DE UMA SAUDADE

Carlos Eugênio C. Silva

 

A porta do galpão largo

emoldurava o momento

que figurava ali.

Um olhar no horizonte

por entre campo e gado,

permita que o passado

trouxesse o tempo em reponte.

 

A mão trêmula sovava, o fumo,

e, os dias, por certo,

sovavam a vida na face enrugada

de tantos invernos.

Fechou um palheiro palmeou o isqueiro

ainda de guampa; e

a pequena chama penumbreou a vida

que estava lobuna de tanta saudade.

Deu uma pitada, olhou para o chão,

e respirando fundo sem se conformar,

ergueu a  cabeça para então sentenciar:

A vida mudou.

 

É claro, cada um tem seu tempo,

mas o cenário se pintava tão sério

e as feições no semblante

miravam tão longe que;

até me enxerguei num certo passado

que nunca vivi.

 

Ouvi as carretas, rangindo, chorando,

tropel de cavalos, gritos de saudade,

e o sacrifício que deixava marcas

naquelas faces tranqüilas e calmas,

com olhares profundos e bigodes de respeito,

 

O dia acordava cedo naquelas épocas

e o fogão de lenha aquecia-o, inverno e verão,

na cambona alça de arame,

a água quente taleriava, e sobre a chapa estalava

a casca de algum pinhão.

Era uma hora sagrada, onde a alma era regada

com a seiva do chimarrão.

 

Nunca vi tanta riqueza, prenhe na simplicidade

daquele certo passado que até então não vivi.

Mas de maneira tosca, banco de cepo revestido de pelego,

caneca faltando a asa e um rádio caixa

de abelha que mal dava pra escutar,

um poncho estendendo o catre e um terço feito de tento,

porque fé é um sentimento pra vida se governar.

 

Quanta riqueza emprenhada

naquela simplicidade,

naquele cesto passado

que até então não vivi.

Uma cuia de porongo recostada na parede

era qual um coração, pronto a emanar guarida.

E assim era então a vida, cheia de felicidade,

quanto mais simples o rancho, mais traz a hospitalidade.

( Nunca vi tanta riqueza, prenhe na simplicidade)

 

E vio-se o tempo,

tropeiros e tropas viram caminhões

levado na estrada de piche e asfalto

trabalho e sustento de sãs gerações.

Tropel de cavalos só em micro-piquetes,

esperando a ceifa da morte chegar,

quadrilha relincha, como adivinhando

que o matadouro é seu último estar.

 

            A vida mudou.

 

A simplicidade perdeu-se no tempo,

e o homem que a fortuna da enxada

pra terra semear. Se foi pela estrada

buscando no nada a fome saciar.

 

Em que mundo nos vivemos,

se a triste ganância manda em

sentimentos de fraternidade.

Se o egoísmo broqueia o peito,

e não há respeito nem camperidade.

 

            A vida mudou.

 

O homem é tropa marchando ao relento,

procurando do nada a dignidade

a tempo perdida.

Sorvendo a miséria, vivendo acampado,

lembrando o passado com a alma dolorida.

Que pena o progresso ser tão implacável.

Que pena que a lida ficou esquecida.

Mas não faltam tauras voltando pra terra,

fazendo uma guerra de suas próprias vidas.

 

Talvez reste apenas os campos do céu,

tropas de estrelas e fletes boieiros.

Talvez brancas nuvens nos sejam pelegos,

pra eternos sossegos de nossos campeiros.

Talvez seja a lua  um disco de arado

abrindo um regado pro raio semente.

Talvez seja o vento, a triste saudade

que ainda invade o peito da gente.

E a chuva, bem mansa, que vem de repente,

sem se conformar que o tempo passou,

é o choro da terra, do campo, da história,

por um infortúnio que nunca aceitou.

E que triste seta sina:

A vida mudou.