DO QUARTEL DE MEUS SONHOS

Carlos Eugênio Costa da Silva "Vacaria"
Poema vencedor do Concurso Literário ENART 2003
CTG Coronel Thomaz Luiz Osório - Pelotas


Foi nas tropilhas de osso
que compuz meu regimento,
e o sentinela atento
tinha a forma de um pinhão.
A tropa esculpida a mão
nos galhos da corticeira
e o bem-te-vi corneteiro
espreitava na parreira.

Fiz de um pedaço de lata
espada pro oficial,
homem de garbo e moral
lapidado de disciplina.
Da vastidão da campina
lhe dei coragem e calma
e no brilho da espada
o espelho de sua alma.

De um sabuguito de milho
fiz canhão para os soldados,
que esperavam perfilados
o começo de sua lida,
na manobra ou ordem unida
se encontrava a essência,
Sargento chapéu de tampa:
Tropa.Atenção.Continência.

O quartel, cerca de pedra,
tinha o formato quadrado
e um galpão bem quinchado
com pedaços de capim.
Tudo era um sonho pra mim
e, aquela hoste guerreira,
carregava meu orgulho
desfraldado na bandeira.

Na caserna eu encontrava
as coisas que mais queria
e ao meu comando surgia
para qualquer "precisão",
uma fiel guarnição
que melhor nunca se viu,
tendo amizade por farda
e sorrisos por fuzil.

E assim foi minha infância,
tão séria na brincadeira,
pois eu compunha as fileiras
da milícia que sonhava,
a divagar me encontrava
com minha tropa audaz,
heróis forjados pra guerra
mas sempre buscando a paz.

Um dia então, um combate
travou-se sem ter motivo,
e a tropa, meu sonho vivo
se viu chamada a lutar,
o quartel de meu sonhar
se esvaiu na ansiedade
e tudo então teve fim
na guerra da realidade.

Vi quimeras destroçadas
e esperanças ao relento.
Vi tapera o regimento
que de mim era um pedaço.
Na alma senti um espaço
que me legava distância
e no chão, feito um farrapo,
a minha bandeira infância.

Nunca entendi o destino
por ser cheio de segredos
e destruir meus brinquedos
levando minha ilusão.
Dentro do meu coração
somente lugar havia
para a tropa de meus sonhos
e o quartel da harmonia.

Por isso hoje, ao ver fatos
que retratam a violência,
a falta de consciência,
guerra generalizada,
a alma fica apertada
com motivos pra chorar.
Que pena que a realidade
não deixa a gente sonhar.