Quando a Loucura vem Matear Comigo

Bianca Bergmann

 

Quando a solidão se achega e para na porta do rancho

a tristeza por parceira puxa prosa com a saudade.

Acendo as brasas, queimando sonhos e planos.

Lágrimas buscam o rosto e os olhos negam abrigo.

Então à beira do fogo a ansiedade me faz um aceno...

E o rancho se faz pequeno quando a loucura vem matear comigo.

 

É noite de lua cheia!

E as mulheres que me habitam vão surgindo uma a uma...

Diante de um grande espelho vejo todas as minhas faces,

algumas parecem belas, outras sequer me agradam.

Mas ninguém é feito apenas de beleza e qualidades.

Preciso entender a todas, pois todas elas “sou eu”...

e pra revelar um segredo meu, começo a roda de mate.

 

O primeiro... aquele que é servido pra esquentar a erva,

vai pra menina que sonhou com um amor de verdade.

Ela sorve trago a trago, lembrando palavras doces,

que caíram da boca de quem lhe falou de amores

e que fugiu na madrugada, sem dar razão ou motivo.

E ela, sem instinto defensivo, padeceu de muitas dores.

 

O segundo... de erva quase no ponto...

vai pra mulher egoísta...

que sucedeu a menina nessas veredas da vida.

E não contente com o vício de um mundinho sempre igual,

quebrou o cadeado de ouro que a trancava no passado;

E nas asas de um sonho alado, seguiu outro vento forte.

Perdeu um lar... ganhou um norte, na busca por um ideal.

 

A roda segue girando e o mate de erva buena

vai ter que pular um banco, pois a “querreira” não veio!

A notícia que me deram é que foi ferida na guerra.

Pealada caiu por terra, sem forças para levantar.

Mas sei que se recupera, já viu feridas mais feias.

E ela também faz jus ao sangue gaúcho de luz...

que corre por suas veias!

 

O mate então segue adiante, mais a esquerda de mim.

Eu sinto agora que assim os defeitos são maiores

Vejo uma moça covarde querendo fugir da cuia.

Que já nem levanta os olhos quando a chamo no espelho.

Que quer voltar ao mundo velho, porque lá era mais fácil.

Quer viver... mas senta medo de ser em vão o sacrifício!

 

Um mate pra solidão e outro para a saudade.

A tristeza não mateia, pois anda triste demais.

Quando sirvo a ansiedade, mal entrego e ela termina.

Passa a cuia e segura a sina, porque é a vez da loucura...

matear com a erva lavada, amarga e sem doçura;

Fazendo aflorar aos goles, muitos segredos em mim.

 

Após um longo silêncio, um riso de escárnio

corta a noite e espanta a todas...

era a loucura sorrindo... me olhando firme nos olhos.

Ela tem ares de bruxa e sorri, pois acaba o fogo!

Me viu queimar os meus sonhos e agora não tem mais jeito,

pois vê que ao findar as brasas, nada mais me aquece o peito.

 

Mal sabe ela coitada, que no fundo da cambona sobrou um mate pra mim.

E em cada gole que sorvo, é outro verso que nasce.

E vou ajoujando essas rimas e falsos sonhos e planos.

O gosto dos desenganos, não faz mal, nem me eleva.

Eu já provei tantas vezes, que o que antes era amargo,

hoje tem um gosto aguado e é mais lavado que a erva.

 

Sei que a vida é mesmo assim... me recolho!

Nesses mates descobri que não basto para viver sozinha.

Talvez por isso essas mulheres em mim

surgem em noites de lua pra me fazer companhia.

Trazendo junto a saudade, a tristeza e a ansiedade,

pra essas rodas de mate, onde a razão nunca vem.

 

Espero... talvez um dia que ela chegue e pare na porta do rancho;

Trazendo um sonho carancho... sinuelo da liberdade.

Pois quando vim pra cidade, não imaginei que teria que forjar sonhos tão falsos,

pra ter o que queimar por estas horas vazias

e abrir as portas da casa, que é meu refúgio e abrigo,

pra solidão tão matreira... e a loucura traiçoeira....

que sempre vem pra matear comigo!