O VELHO

Bianca Bergmann

Amargurando as partidas,

Desafiando as estradas...

Se vai pela vida estranha

Sem limites, nem lugar.

 

Talvez perdido em seu tempo...

Tempo de barro nas botas,

Tempo de filho no colo,

Tempo de estrelas no olhar.

 

Já não se encontra em seu mundo...

Nenhum lugar é ideal!

Hoje, no entanto lhe vejo,

Ali mendigando uns cobres

Na escada da Catedral.

 

Fora estancieiro uma noite...

Por outra se diz cantor;

Carreteiro ou domador

Nos seus delírios pampeanos.

 

Pra cada um tem um nome...

Pra cada um, uma história...

E percorrendo a memória

Diz ter lembranças de tudo.

 

Só nos fala de belezas!

 

Fala da cor das auroras,

Dos vaga-lumes do campo...

Da dança das aroeiras

Parceireando um cinamomo,

Num tango desencontrado

Por tardes de ventania.

 

E fala das pitangueiras,

De laranjeiras floridas...

Fala de sonhos... de vida...

Da sua infância distante.

Depois então ele cala,

Com um semblante tão triste!

 

Percebo que tudo isso

Se some perante o hoje.

Mendigo... velho... sem cobres;

Sem auroras coloridas...

Sem laranjeiras floridas,

Sem vaga-lumes nos campos.

 

Só lhe sobraram os ventos

Cantando nas madrugadas

Cantigas desesperadas,

Sem tangos nem cinamomos.

 

Só lhe sobraram tristezas

Pairando no coração;

E a dança das aroeiras

Envergando a estrutura

Do rancho de papelão.

 

Não tem mais barro nas botas...

Já nem tem botas de fato!

Não tem seu filho no colo...

Nem sabe se ainda tem filho!

E as estrelas dos olhos,

Em céus nublados não brilham!

 

Nunca entendi o seu jeito!

Por que o velho mentia?

Não tinha nada na vida...

Não tinha nada a perder!

 

Por que não dizia o nome?

Por que não falava a sério?

Por que fazia mistério

Quando contava de si?

 

Confesso nunca entendi!

 

Talvez carregue um segredo?!

Que não revela por medo,

Ou por saber não ser bom.

 

Ou talvez sequer se lembre

Quem ele é de verdade!

Talvez não sinta saudade,

Então inventa as histórias

Por ter vergonha da sua!

 

Talvez escolheu a rua,

Só porque gosta do céu.

Pra ter telhado de estrelas...

Ter seus barcos de papel

Navegando as corredeiras,

Quando a chuva dos seus olhos

Vem, sem pedir permissão.

 

Ou pra ter um cusco manso

Que nem por fome se atiça.

E acordar as cinco e meia

Quando a voz no campanário

Se projeta no cenário,

Chamando o povo pra missa.

 

E de talvez em talvez

Eu desisti de entender!

 

Na Catedral fez seu lar,

E a quem quiser escutar,

Tem sempre palavra amiga...

Sua verdade inventada

Ou uma mentira sofrida.

 

Amargurando as partidas,

Desafiando as estradas...

Tentando enganar a vida

Nesses delírios só seus;

Se vai o velho, no más,

Contando estórias de paz

Em frente à casa de Deus!