Toada de uma Tarde de Inverno

            Aureliano de Figueiredo Pinto

Hoje o inverno erma a campanha
Dói no subúrbio pobretão.
Gelado, o vento arreda a porta
E mal aviva a brasa morta
Que arde na cinza do fogão.

 

Meu pensamento alerta e ágil
Recorre o mundo ouvindo e vendo
Vai como um chasque num relampo
Varando rios, cortando campo
Como um campeiro recorrendo.

 

Volta e me conta o pensamento:
- Vi o rancho e o drama do casebre
Quanto velhinho jejuando,
Quanta criança tiritando,
Alguns no látego da febre.

 

E os poderosos desses mundos,
Ávidas garras de caranchos
Prontos ao golpe à inerme presa.
Fecham os olhos à tristeza
Que ronda as horas desses ranchos.

 

Bom Cristo ! Um dia, de rebenque,
Lanhaste o lombo aos mercadores.
Jesus ! Agarra os fala-larga,
Torna mais leve a dura carga
E mais humana a sorte amarga
De tantos pobres sofredores.