RELATO DO ENFORCADO

Aureliano de Figueiredo Pinto

 

 


Tudo lhe vinha ao contrário.

Nadava contra a corrente,

tudo o  empurrava pra trás.

Tudo fazia afundar.

Às vezes, desacorçoava,

mas renascia a coragem.

 

E já agora, ultimamente,

o mundo desmoronava.

O mundo não era mundo

era uma coisa enjoativa

que se suporta por vício.

 

Era um quarto de lua nova

e o vento norte ventava.

Vinha uma poeira nos olhos

de sair água por nada.

 

Uma palavra qualquer

sentiu que a fundo o feria.

Agarrou mais fumo e palhas,

e, com um cabresto na mão,

ao mato se encaminhou:

- “Buscar um pouco de lenha...”

 

Olhou o angico mais alto,

com um galho para o perau.

Namorava o galho alto,

como se olhasse um sobrado

que desejasse comprar.

 

Ia cortando mais fumo

e mais cigarro enrolando,

largando cada tragada

de uma fumaceira gostosa,

das de fazer cerração.

 

Pensava que o mundo velho

já era um baile acabado

sem razão pra se ficar.

Namora o galho alto,

como avaliando um sobrado

que pretendesse comprar.

 

Fechou um crioulo bem grande,

que botou atrás da orelha,

e foi subindo no angico

com jeito de gato bravo.

 

Montou no galho bem alto,

que dava para o perau.

Amarrou nele o cabresto,

pôs laçada no pescoço,

como o chapéu bem tapeado,

bem preso no barbicacho.

Acendeu o crioulão

e largou a fumaçada,

das de fazer cerração...

 

Com o chapéu bem tapeado,

bem preso no barbicacho,

cerrou nos queixos o crioulo,

e resvalou-se com jeito,

para ser estrangulado.

 

Quando veio o delegado,

mais o escrivão e o doutor,

balnçava no perau,

como se o vento o rodasse

na dança sobre os abismos.

 

Firme o cigarro nos queixos,

e o chapéu velho, maroto,

quebrado como em fandango.

 

E no rápido velório

que corajudo haveria,

nem por Deus nem pela Virgem,

de contrariar o finado:

- Querer tirar-lhe o cigarro,

querer sacar-lhe o sombrero.

 

E entocou-se cova dentro

com jeitão malcriado:

- Cigarrão preso nos queixos,

chapéu velho bem quebrado.

E a borla do barbicacho

- Única flor sobre o peito.