UTOPIA

Ari Pinheiro

 Nicássio, nome de batismo

-Resquicios de senzalas

de quatro gerações atrás...

 

Num “mochinho” três pernas

o negro domador maneia em silêncio,

olfateando a aurora que desponta...

...muitos estranham esta linha

que separa homens e animal.

que muitas vezes se confunde na rudeza da lide...

difícil dizer onde termina um...

onde começa outro...

 

No afã de domar potros e fazer cavalos

o que foi escravo agora é senhor!

É dele a mão que enlaça o mango

Chibata sulina de amansar torenas,

podar anseios e criar vassalos!

 

Ronca o mate, voa a mente...

O barulho da bomba é como trovão fatal

acordando a raça na noite dos tempos!

 

Rio Congo, Kilimanjaro, Massais, Hutus...

Outras terras, outros povos,

de horizontes largos e idéias iguais.

 

Liberdade, deusa dos valentes,

pra que céus fugistes.

onde te escondestes?

 

Na ancestral herança genética do galpão

acordam de repente estalos de chicotes,

bacamartes, gritarias, archotes,

galés inchando na prenhez do horror!

 

...depois a praça, leilões, compras,

senzala, lavoura, tronco;

mais ao Sul, charqueadas...

 

...Nicássio, nome de batismo.

Resquício de senzalas

de quatro gerações atrás...

No palanque o potro, pêlo de azeviche,

escarceia e mira seu irmão de cor...

No “Mochinho” o negro arrepia o couro

e ouve no relincho um brado de dor...

 

-Liberdade, deusa dos valentes,

pra que céus fugistes,

onde se escondes?

 

Com o passar das horas as ganas de doma

descalçaram puas, ganharam asas

para serem graças em nova paisagem...

 

Quando o entardecer

pintar de vermelho o colo da várzea,

duas silhuetas se desenharão livres

contra o horizonte.

 

Um potro negro de crinas ao vento

Se fará  de voltar aos avoengos campos,

enquanto um peão de estância

aposentará garras no caibro do “oitão”

-Pode ser por pouco tempo,

mas neste dia a utopia será regra

reinventando a vida

noutro alvorecer!